Do ritmo das ondas: algumas estações
Algumas estações atam e desatam os dias
em que o labirinto do destino se inventa e ramifica
instável constelação ameaçada e efémera.
Séculos antes
daquilo a que eles chamam o início do primeiro milénio
entre as duas margens do mar mediterrâneo
outros terão inventado e reiventado alfabetos,
essa terceira margem do mundo, em que o mundo
constrói os seus teatros solares, de água e
pedra e tempo: o coral em ondas.
Essas letras escreviam árvores nas páginas do ar.
Revoluções mudavam-lhes a ordem.
E enquanto as consoantes
duravam um mês de antiga medida
as vogais abriam em leque o início
cantavam os nomes de cada estação.
I árvore do nascimento I a árvore da morte
reuniam-se no solstício do inverno.
E assim é da natureza das coisas que tudo
tudo vai entrando na sua morte e tudo
continua a nascer porque
os átomos como as letras continuam
a declinar os corpos e os nomes de cada coisa,
as suas auras irradiantes e os seus simulacros
nómadas atravessando as fronteiras. Nós
quase surdos quase mudos desenhávamos as letras
em que o sol gravava emprestadas as suas sombras.
E então as imagens da terra crepitavam
nos gestos da voz que renascia: cintilações
fugazes, vertiginosos meteoros alumiando por dentro
os corpos cantantes e as vozes dos corpos
no lugar do nascimento — oras in luminis.
Nesses teatros de água, ouvimos as ondas em voz alta
assistimos às tempestades de luz acometendo a face das coisas
e recitamos aquilo que com as mãos inquietas desconhecemos.
Cada vogal representava um trimestre do ano: O (giesta), o Equinócio da Primavera; U (Urze), o Solstício do Verão; E (choupo), o equinócio de Outono. O A (abeto, ou palmeira), a árvore do nascimento, e o I (teixo), a árvore da morte, partilhavam entre si o Solstício do Inverno.
Robert Graves: Os mitos gregos
Manuel Gusmão, in Contra todas as evidências - Poemas Reunidos II, do livro teatros do tempo (Caminho, 2001), Editorial «Avante!», Abril de 2014, pp. 22-23.
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