segunda-feira, 11 de outubro de 2021

UM POEMA DE JUAN LUIS PANERO

 



UN ÉTRANGER

Produz uma certa melancolia 
uma tristeza decadente — literária sem dúvida —
como certas canções de entre-guerras
ou páginas perdidas de Drieu de la Rochelle,
ver um homem só, isolado e distante,
na barra de um bar com uma decoração internacional.
Nessa idade imprecisa, tão imprecisa como a luz ambiente,
em que já não é jovem nem é ainda velho,
mas já brilha nos seus olhos o timbre da derrota,
quando com um gesto estudado acende um cigarro.
As muitas imperiais e as camas de sobra,
a barriga proeminente que a camisa inglesa apenas disfarça,
o tremor, não de imediato visível, da mão que segura o copo,
a sua parte do naufrágio, ressaca da vida.
Um homem à espera sabe-se lá de quê
que, enquanto aspira o fumo, olha com declarada indiferença
as garrafas defronte, os rostos que um espelho reflecte,
tudo com a especial irrealidade da fotografia.
E mais triste ainda, um longo e reprimido suspiro,
ver no fundo desse copo — caleidoscópio mágico —
que esse homem és tu, irremediavelmente tu.
Não resta então mais nada senão um sorriso céptico e distante
— aprendido muito cedo e útil malditos anos depois —
e de um grande trago acabar a bebida
pagar a conta enquanto pedes um táxi
e dizeres-te adeus com palavras banais.

Juan Luis Panero, in Antes que chegue a Noite, versão de António Cabrita e Teresa Noronha, Fenda, Março de 2001, p. 35.

1 comentário:

sonia disse...

Esse momento é de grande vulnerabilidade. Um passo a mais e se está entregue sem chance de volta a algo menos assustador.