(…)
O golpe de Estado termina e a revolução ainda não começou: os meses que
seguem são uma pausa. Mas antes, principalmente em Lisboa e no Porto, o povo
vai finalmente dar-se conta de que desta vez alguma coisa mudou, e o 1.º de
Maio de 1974 é uma impressionante e comovedora manifestação de alívio; os
cravos vermelhos, o novo símbolo, presentes em toda a parte, mesmo no cano das
armas; é o momento em que a fraternidade parece possível. Dias antes, a chegada
de Mário Soares a Lisboa tinha sido comovente e triunfal, uma enorme multidão
esperava-o em lágrimas, sorrindo, e aos brados de vitória. Logo a seguir Álvaro
Cunhal, para os não comunistas um desconhecido, o homem que vinha dos longos
anos de prisão — catorze no total e oito em encerramento solitário — que
escapara em 1961 da prisão de Peniche e cuja vida, desde então, tinha sido um
mistério. Álvaro Cunhal desembarca no aeroporto e os portugueses têm
dificuldade em acreditar no que vêem: a foice e o martelo são o pano de fundo.
A recepção é triunfal também, mas mais sóbria, os punhos erguidos mostram uma
determinação disciplinada, contida, só algumas vozes se embargam quando
milhares entoam o que tinha sido o hino da clandestinidade comunista:
«Avante, camarada, avante,
Junta a tua à nossa voz.
Avante, camarada, avante,
O sol brilhará p’ra todos nós».
Um detalhe não escapa àquele que, atentamente, seguem os acontecimentos:
os militares, que não esperaram Soares, vão esperar Cunhal. Sobre um carro
blindado, acompanhado por soldados que erguem o punho, rodeado de uma multidão
que, pela primeira vez em mais de cinquenta anos pode confessar livremente o
credo comunista, o secretário-geral do PCP entra em Lisboa.
Um slogan anda em todas as bocas: «O povo unido, jamais será vencido!» Mas o povo, a falar verdade, ainda mal sabe o que se passa, e por enquanto não se encontra unido a ninguém, nem a coisa nenhuma. Às vilas da província, às aldeias, mal chegam ecos do que se passou em Lisboa. Os emigrantes, num reflexo de defesa — mudança é sempre insegurança — suspendem as remessas de dinheiro e ordenam às famílias que retirem quanto dinheiro têm no banco, «pois dizem que os comunistas nos vão tirar tudo».
É a triste ignorância dos pobres, a qual se mede ainda melhor quando se sabe que durante meses, de aldeia para aldeia corre, e é tomado a sério, o boato de que o Governo dos comunistas irá confiscar as panelas de pressão.
J. Rentes de Carvalho, Portugal, a Flor
e a Foice.
Junta a tua à nossa voz.
Avante, camarada, avante,
O sol brilhará p’ra todos nós».
Um slogan anda em todas as bocas: «O povo unido, jamais será vencido!» Mas o povo, a falar verdade, ainda mal sabe o que se passa, e por enquanto não se encontra unido a ninguém, nem a coisa nenhuma. Às vilas da província, às aldeias, mal chegam ecos do que se passou em Lisboa. Os emigrantes, num reflexo de defesa — mudança é sempre insegurança — suspendem as remessas de dinheiro e ordenam às famílias que retirem quanto dinheiro têm no banco, «pois dizem que os comunistas nos vão tirar tudo».
É a triste ignorância dos pobres, a qual se mede ainda melhor quando se sabe que durante meses, de aldeia para aldeia corre, e é tomado a sério, o boato de que o Governo dos comunistas irá confiscar as panelas de pressão.
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