«Apesar da ausência e Lisboa ao longo de quase toda a
década de 60 — só retomou a vida na cidade em 1969 —,
Luiz Pacheco transportava com ele uma lenda. Só um núcleo pequeno, no meio
teatral, se lembrava das suas recuadas funções de fiscal; um círculo mais vasto
recordava as indumentárias do início da década de 60, quando ele aparecia
descalço a enrolar beatas. O novo Pacheco que surgiu em Lisboa depois dos
quarenta anos — fez quarenta e quatro anos a 7 de Maio de 1969 —
não destoou deste. (…) Fernando Dacosta que o conheceu nesta época junto de
Edite Soeiro diz que ele alimentava uma galinha no quarto da Bandeira Branca e
passeava depois com ela ao colo ou presa numa guita. Mais do que a miséria era
o gosto do cómico que ele expunha; naquilo que viveu e escreveu o riso está
sempre a par do choro.»
Dez anos depois:
«Escolheu ir para Lagos, que ficava numa das pontas do
país e onde tinha um espaço para receber, o de José Rijo, outro amigo dos
tempos do Café Gelo. (…) Comprou uma vez uma galinha, que levou nos braços para
casa e alimentou a milho. Vivia com ela como se fosse pessoa; metia-a na cama,
falava-lhe, saía com ela à rua. O bicho adaptara-se-lhe tão bem, que nem de
trela precisava quando saía com ele. Foi o segundo galináceo que domesticou,
sendo o primeiro o do quarto da «bandeira branca», em frente do Largo da
Trindade. Pulava-lhe de poleiro para o braço ou para o colo e dali via o mundo.
Um dia, Rijo serviu-lhe ao jantar sopa de canja e galinha estufada. Pacheco
comeu e só mais tarde, quando o tempo passou e não deu com a amiga, percebeu
que se tratava do seu bicho. O anfitrião desabafou que já não suportava em casa
a galinha. Pacheco ficou inconsolável como se da morte de um familiar se
tratasse.»
António Cândido Franco, in “Luiz Pacheco Essencial”,
Maldoror/Letra Livre, Lisboa, 2017.
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