sexta-feira, 21 de abril de 2023

PACHECO & AS GALINHAS

 

«Apesar da ausência e Lisboa ao longo de quase toda a década de 60 só retomou a vida na cidade em 1969 , Luiz Pacheco transportava com ele uma lenda. Só um núcleo pequeno, no meio teatral, se lembrava das suas recuadas funções de fiscal; um círculo mais vasto recordava as indumentárias do início da década de 60, quando ele aparecia descalço a enrolar beatas. O novo Pacheco que surgiu em Lisboa depois dos quarenta anos fez quarenta e quatro anos a 7 de Maio de 1969 não destoou deste. (…) Fernando Dacosta que o conheceu nesta época junto de Edite Soeiro diz que ele alimentava uma galinha no quarto da Bandeira Branca e passeava depois com ela ao colo ou presa numa guita. Mais do que a miséria era o gosto do cómico que ele expunha; naquilo que viveu e escreveu o riso está sempre a par do choro.»
 
Dez anos depois:
 
«Escolheu ir para Lagos, que ficava numa das pontas do país e onde tinha um espaço para receber, o de José Rijo, outro amigo dos tempos do Café Gelo. (…) Comprou uma vez uma galinha, que levou nos braços para casa e alimentou a milho. Vivia com ela como se fosse pessoa; metia-a na cama, falava-lhe, saía com ela à rua. O bicho adaptara-se-lhe tão bem, que nem de trela precisava quando saía com ele. Foi o segundo galináceo que domesticou, sendo o primeiro o do quarto da «bandeira branca», em frente do Largo da Trindade. Pulava-lhe de poleiro para o braço ou para o colo e dali via o mundo. Um dia, Rijo serviu-lhe ao jantar sopa de canja e galinha estufada. Pacheco comeu e só mais tarde, quando o tempo passou e não deu com a amiga, percebeu que se tratava do seu bicho. O anfitrião desabafou que já não suportava em casa a galinha. Pacheco ficou inconsolável como se da morte de um familiar se tratasse.»
 
António Cândido Franco, in “Luiz Pacheco Essencial”, Maldoror/Letra Livre, Lisboa, 2017.

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