O conflito de Creonte é triplo.
Com
Antígona não percebe que os homens devem mais respeito às leis dos deuses, as
do direito natural, do que à justiça humana, a das leis políticas. A
desobediência civil de Antígona não é assim tão admirável, corresponde a uma
obediência aos deuses. A eles é devido um recto tratamento dos mortos. Então,
como agora, o ritual fúnebre determinava não só o destino dos mortos como a
consciência dos vivos que se queriam de bem com os temíveis deuses. Antígona
age por dever, para usar a terminologia kantiana.
Com Hémon, o filho, Creonte
não entende o poder do amor e faz-se valer da falácia da idade. Há qualquer
coisa de tácito no discurso de Hémon que não me agrada. Entra de mansinho e sai
a matar(-se), é uma espécie de diplomata que oscila entre a razão e a paixão.
Com Tirésias a conversa é outra. O argumento da idade já não é válido, nem o da
autoridade. Num primeiro momento, o tirano não dá ouvidos ao cego. Quando dá, é
tarde.
O mais curioso é que o verdadeiro oráculo fora já proferido por Hémon,
quando este disse ao pai que ele mandaria "muito bem sozinho numa terra
que fosse deserta". Esse mesmo deserto vislumbrará Creonte com os
suicídios de Antígona, Hémon e Eurídice.
Talvez não fosse má ideia reabilitar
Ismena, a esquecida.
Em "Antígona", Sófocles fez a sua crítica da
tirania resumindo nos versos finais do Coro as leis de uma acção justa, a dos
filósofos, racional, maturada pela reflexão:
Para ser feliz, bom-senso é mais que
tudo.
Com os deuses não seja ímpio ninguém.
Dos insolentes palavras infladas
pagam a pena dos grandes castigos;
a ser sensatos os anos lhe ensinaram.
Antígona, de Sófocles, in Tragédias,
prefácio de Maria do Céu Fialho, introdução e tradução do grego por Maria
Helena da Rocha Pereira, Minerva Coimbra, 2003.
Com os deuses não seja ímpio ninguém.
Dos insolentes palavras infladas
pagam a pena dos grandes castigos;
a ser sensatos os anos lhe ensinaram.
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