terça-feira, 29 de agosto de 2023

ANTÍGONA

 


O conflito de Creonte é triplo.
Com Antígona não percebe que os homens devem mais respeito às leis dos deuses, as do direito natural, do que à justiça humana, a das leis políticas. A desobediência civil de Antígona não é assim tão admirável, corresponde a uma obediência aos deuses. A eles é devido um recto tratamento dos mortos. Então, como agora, o ritual fúnebre determinava não só o destino dos mortos como a consciência dos vivos que se queriam de bem com os temíveis deuses. Antígona age por dever, para usar a terminologia kantiana.
Com Hémon, o filho, Creonte não entende o poder do amor e faz-se valer da falácia da idade. Há qualquer coisa de tácito no discurso de Hémon que não me agrada. Entra de mansinho e sai a matar(-se), é uma espécie de diplomata que oscila entre a razão e a paixão.
Com Tirésias a conversa é outra. O argumento da idade já não é válido, nem o da autoridade. Num primeiro momento, o tirano não dá ouvidos ao cego. Quando dá, é tarde.
O mais curioso é que o verdadeiro oráculo fora já proferido por Hémon, quando este disse ao pai que ele mandaria "muito bem sozinho numa terra que fosse deserta". Esse mesmo deserto vislumbrará Creonte com os suicídios de Antígona, Hémon e Eurídice.
Talvez não fosse má ideia reabilitar Ismena, a esquecida.
Em "Antígona", Sófocles fez a sua crítica da tirania resumindo nos versos finais do Coro as leis de uma acção justa, a dos filósofos, racional, maturada pela reflexão:
 
Para ser feliz, bom-senso é mais que tudo.
Com os deuses não seja ímpio ninguém.
Dos insolentes palavras infladas
pagam a pena dos grandes castigos;
a ser sensatos os anos lhe ensinaram.
 
Antígona, de Sófocles, in Tragédias, prefácio de Maria do Céu Fialho, introdução e tradução do grego por Maria Helena da Rocha Pereira, Minerva Coimbra, 2003.
 

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