quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

DOIS POEMAS DE MARIANO PEYROU

 


 

O CINZENTO
 
O cinzento, insistem com o cinzento
e com outros discursos fáceis, o
cinzento mostra puramente quão difícil é
expressar a experiência do branco e do
negro. Não a alternância aparente,
confortável xadrez para todos os
níveis, mas a verdadeira, a
sublime simultaneidade do negro e do
branco; o cinzento rouba-nos toda essa
verdade com a sua inocência sintética e criminal.
 
In “La voluntad de equilíbrio” (2000).
 
*
 
DESTINO
 
E para te orientares neste
labirinto dispões do mapa de uma
cidade em que ainda não estiveste,
uma bússola a apontar na direcção que
sem ela tomarias, duas chaves aparentemente
iguais, um relógio que atrasa vinte e cinco
horas por dia, a propriedade
associativa, provisões que dão
fome, a religião que quiseres,
um resumo dos teus próximos sonhos,
visões que dão sede, a saída ali
em frente, um recorte do
jornal onde se relata como
não pudeste sair.
 
In “A veces transparente” (2004).
 
De Mariano Peyrou (n. 1971) publicou a Averno, em Novembro de 2009, a antologia “O Discurso Opcional Obrigatório”, com prefácio de José Ángel Cilleruelo e tradução de Manuel de Freitas. “El mar hospital es el mar aeropuerto” (Espasa, Editorial Planeta, Barcelona, Maio de 2023) é uma antologia que colige poemas dos livros “La voluntad de equilibrio” (2000), “A veces transparente” (2004), “La sal” (2005), “Estudio de lo visible” (2007), “Niños enamorados” (2015), “Temperatura voz” (2010) e “Posibilidades en la sombra” (2019). Nascido em Buenos Aires, Peyrou vive em Madrid desde 1976. Publicou poesia, ficção e ensaios. Na introdução a esta recolha diz não se considerar poeta argentino, fazendo do exílio marca essencial de uma obra construída em torno de uma ideia de “vida fantasmagórica”.  Além dos poemas aqui reunidos, os que escolheu para uma leitura em Madrid no ano de 2016, o volume reproduz no final algumas notas escritas para um encontro em Sevilha. Destaco esta: «Segundo certo lugar-comum, a pátria é a língua, a pátria de um escritor é a sua língua. Creio que a pátria de um escritor é o seu mal-estar numa língua, a sua sensação de estranheza nela, não se reconhecer, o seu exílio de uma língua ideal numa língua real em que as coisas não são como deviam ser, não têm os nomes que deviam ter; em que a sintaxe não encaixa no ritmo das ideias, das emoções, da vida; em que sempre se diz mais do que é devido e sempre fica algo por dizer.» Versões de HMBF.

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