A. A. A. A.
Amor, quisestes que fosse
O vosso nome da pia,
Pera mor minha agonia.
Apeles, se fora vivo
E a ver-vos alcançara,
Por vós retratos tirara.
Aquiles morreu no templo,
Contemplando de giolhos;
Eu, quando vejo esses olhos.
Artemisa sepultou
A seu irmão e marido;
Vós, a mim e a meu sentido.
B.
Bem vejo que sois, Senhora,
Extremo de fermosura,
Para mim sepultura.
C. C.
Cleópatra se matou,
Vendo morto a seu amante;
E eu por vós, em ser constante.
Cassandra disse de Tróia
Que havia ser destruída;
E eu por vós, d’alma e da vida.
D. D.
Dido morreu por Eneias,
E vós matais quem vos ama;
Julgai se sois cruel dama!
Dianira inocente,
Da má sorte causadora;
Vós, da minha sabedora.
E.
Eurídice foi a causa
De Orfeu ir ao Inferno;
Vós, de ser meu mal eterno.
F. F.
Fedra só de puro amor
Morreu por seu enteado;
Eu morro de desamado.
Febo vai escurecendo
Ante vossa claridade;
E eu, sem ter liberdade.
G. G.
Galateia sois, Senhora,
Da fermosura extremo;
E eu perdido Polifemo.
Genebra, que foi rainha,
Se perdeu por Lançarote;
E vós, por me dar a morte.
H. H.
Hércules, ῦa camisa
De chamas o consumiu;
Minh’alma, dês que vos viu.
Hébis e Dido morreram
Com o rigor da mudança;
Eu vendo vossa esquivança.
J. J. J. J.
Judit que o duro Holofernes
Degolou, se viva fora,
Mate lhe déreis, Senhora.
Júlio César conquistou
O mundo com fortaleza;
Vós a mim com gentileza.
Júlio César se livrou
Dos imigos com abrolhos;
Eu, não posso desses olhos.
Jazia-se o Minotauro
Preso no seu labirinto;
Mas eu mais preso me sinto.
L. L.
Leandro se afogou
E foi sua causa Hero;
E a mim, o que vos quero.
Leandro se afogou
No mar de sua bonança;
Eu, no de vossa esperança.
M. M.
Minerva dizem que foi,
E Palas, deusa da guerra;
E vós, Senhora, da terra.
Medeia foi mui cruel,
Mas não chegou a metade
De vossa gran crueldade.
N. N.
Narciso o siso perdeu
Em vendo a sua figura;
Eu, por vossa fermosura;
Ninfas enganam mil Faunos
Com seu ar e fermosura;
E a mim vossa figura.
O. O.
Os olhos choram o dano
Que em vos verem sentiram,
Mas eu pago o que eles viram.
Orfeu com a doce harpa
Venceu o reino de Plutão;
Vós a mim, com perfeição.
P. P.
Páris a Helena roubou,
Por quem Tróia foi perdida;
E vós a mim, alma e vida.
Pirro matou Policena,
Perfeita em todos sinais;
E vós a mim me matais.
Q. Q.
Quanto mais desejo ver-vos,
Menos vos vejo, Senhora.
Não vos ver milhor me fora.
Querendo ver a Diana,
Actéon perdeu a vida,
Que eu por vós trago perdida.
R. R.
Remédio nenhum não vejo
Que remedeie meu mal;
Nem crueza à vossa igual.
Roma o mundo sujeita
Com armas, saber, temor;
Vós a mim só por amor.
S.
Sirena, na mor fortuna,
Com enganos vai cantando;
E vós sempre a mim matando.
T. T.
Tisbe morreu por Píramo,
A ambos matou o Amor;
A mim, vosso disfavor.
Tisbe pelo seu amante
Morreu com amor sobejo;
Mas eu mais morto me vejo.
V. V.
Vénus, que por mais fermosa,
Lhe deu Páris a maçã,
Não foi quanto vós louçã.
Vénus levou a maçã
Por vós não serdes, Senhora,
Nascida naquela hora.
X. X.
Xpo vos acabe em graça,
E vos faça piadosa,
Tanto quanto sois fermosa.
Xantopeia tornou atrás
Por Apónio a invocar;
E vós não, a meu chamar.
Luís de Camões (1524? – 1580?)
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