Tomei a triste pena,
Já de desesperado
De vos lembrar as muitas que padeço,
Vendo
que me condena
A
ficar eu culpado
O mal que me tratais e o que mereço.
Confesso
que conheço
Que,
em parte, a causa dei
Ao
mal em que me vejo,
Pois
sempre o meu desejo
A tão largas promessas entreguei;
Mas
não tive suspeita
Que seguísseis tenção tão imperfeita.
Se
em vosso esquecimento
Tão
condenado estou
Como os sinais demonstram que mostrais,
Neste
vivo tormento,
Lembranças
mais não dou
Que as que desta rezão tomar queirais:
Olhai
que me tratais
Assi
de dia em dia
Com
vossas esquivanças;
E as
vossas esperanças,
De que, vãmente, já me enriquecia,
Renovam
a memória,
Pois, com a ter de vós, só tenho glória.
E se
isto conhecêsseis
Ser
verdade mais pura
Do que d’Arábia o outro reluzente,
Inda
que não quisésseis,
Essa
condição dura
Em branda se mudara facilmente.
Eu,
vendo-me inocente,
Senhora,
neste caso,
Bem
no arbítrio o pusera
De
quem sentença dera.
Com que o que é justo se mostrasse raso;
Se,
enfim, não receara
Que a vós por mim e a mim por vós matara.
Em
vós escrita vi
Vossa
grande dureza,
E n’alma escrita está, que de vós vive,
Não
que acabasse ali
Sua
grande firmeza
O triste desengano que então tive;
Porque
antes que me prive
A
dor de meus sentidos,
Ao
penoso tormento
Acode
o entendimento
Com dous fortes soldados, guarnecidos
De
rica pedraria,
Que ficam sendo minha luz e guia.
Destes
acompanhado,
Estou
posto sem medo
A tudo o que o fatal destino ordene;
Pode
ser que, cansado,
Ou
seja tarde ou cedo,
Com pena de penar-me, me despene.
E
quando me condene
(Que
é o que mais espero)
Inda
a penas maiores,
Perdidos
os temores,
Por mais que venham, não direi: não quero.
Estou,
enfim, tão forte,
Que não pode mudar-me a própria morte.
Canção,
se já não queres
Crer
tanta crueldade,
Lá vai onde verás minha verdade.
Luís de Camões (1524? – 1580?)
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