OUTRA IMAGEM
Conheço o mundo dos mortos. É frio, com terra
por cima, restos de tábuas, ossos desfeitos pelos
invernos.
Os mortos vêem-nos: de onde estão, eles chamam pelos
nomes
familiares, num murmúrio, e o vento dispersa-lhes os
sopros
— música de ciprestes. Por isso, há quem anda entre as
campas,
ao fim da tarde, com os ouvidos tapados; quem reze,
entre lábios, datas estéreis como as antigas pedras;
quem persiga a própria sombra, temendo que ela desapareça
sob a erva fresca. Memórias vagas e finais,
atormentando-me
num secreto espelho — no canto de mim, absorto
e pálido, quem me diz o nome, em silêncio, sem olhos,
sem lábios, sem os cabelos que outrora toquei?
Nuno Júdice, do livro Lira de Líquen (1985), in Obra
Poética (1972 – 1985), Quetzal Editores, 1991, p. 294.
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