NA NOITE DO PEQUENO BAR INFAME
«O leitinho na cama quer o gato.
Mas não tires comida do meu prato.
Até os cães fornicam com mais ética
o corpo de outros cães, se necessitam.»
Isso foi da primeira. Não bastou
esse aviso. Outra vez tentou a sorte
— o réptil que julgavas teu amigo.
Na noite do pequeno bar infame,
tencionou a fortuna desse amor
roubar-te. Porém, erro cometeste:
era cobra, não viste a língua bífida.
Mas depois — deixa lá — nem conseguiu
por artimanha vil obter o outro.
O homem por inveja cobiçado
revelou do vilão toda a mentira
— e mais amor e prémio o tempo trouxe.
Desdémona — feliz — com negro Otelo:
um cigano romeno de passagem
— de etária diferença, vinte e cinco
sem qualquer dano ou défice na cama.
Invertido o triunfo da perfídia
— tanto quanto, na vila, as circunstâncias
consentiram ditosos esses meses.
E calada — de vez — a velha hiena.
José António Almeida, in O Sermão de Noé Dentro da Arca e Outros Poemas, não (edições), Outubro de 2023, pp. 37-38.
Sem comentários:
Enviar um comentário