WAZZAN:
Um pássaro vem ao mundo e sobrevoa as águas do mar no primeiro voo. A luz
permite entrever peixes de escamas prateadas sob a superfície. Comovido com tal
beleza desconhecida, o pássaro deseja ir ao seu encontro e voa na direcção do
mar. Mas os outros pássaros, seus congéneres, detêm-no antes que alcance as
ondas. «Não!», diz-lhe o mais sábio, «que jamais te ocorra andares com essas
criaturas. São completamente diferentes de ti e, se andasses com elas,
morrerias, tal como elas morreriam se andassem connosco. Não fomos feitos nem
para nos conhecermos nem para viver juntos». O pássaro obedece e segue a sua
vida, mas de cada vez que observa o mar o seu coração dá reviravoltas. Fica
taciturno, deixa de cantar. Até que um dia, oprimido por uma sentença demasiado
pesada de carregar, pensa que prefere sentir apenas um momento de êxtase a ter
um longa e desgraçada vida, e dobra as asas! Do céu azul cai a pique até ao
azul do mar atravessando a sua superfície. Então, debaixo de água, submergindo
até ao abismo da luz, o pássaro abre os olhos durante o pouco tempo que lhe
resta. Uma infinidade de peixes multicoloridos! Inimaginável abismo acetinado!
Indescritível beleza do diferente! O seu coração inflama-se! O seu fim
aproxima-se, mas já não está preocupado, pois anseia pelo outro, o diferente, e
esse anseio e tão absoluto, tão imenso, tão espiritual que justamente quando a
morte o quer levar, crescem-lhe guelras no pescoço! E respira! Respira! O
pássaro respira! E enquanto respira, voanada, desliza entre os peixes de
escamas douradas, jade e rosa, tão subjugados por ele como ele por eles, e,
depois de os cumprimentar, o pássaro pronuncia as palavras mágicas: «Aqui
estou! Sou eu! Sou o pássaro anfíbio, aqui, entre vós, sou um de vós, sou um de
vós!».
Wajdi Mouawad, in Todos pájaros, versão de HMBF a partir da tradução espanhola de Coto Adánez, Ediciones La uÑa RoTa, Noviembre de 2020, pp. 159-160.
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