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Durante a infância e adolescência, as histórias do Emídio, O Artista que me deram a ouvir e que arquivei na memória não estavam relacionadas com fornos de altas temperaturas ou técnicas de vidrados, muito menos com sucessos empresariais.
O grande ceramista tinha feito muitas coisas além de porcelanas.
Tinha enganado este mundo e o outro e protagonizara feitos e intrujices de fazer corar o demónio.
Com um amigo de juventude, o Inácio (filho de um contrabandista de tabaco), construiu uma máquina de fazer dinheiro falso. Enfiados numa cave, passaram noites inteiras e meses inteiros a imprimir notas falsas de cinco e dez escudos. Apenas de cinco e dez escudos, nada de muito ambicioso, para não levantar sobrolhos.
O Emídio escondia um coração vigarista, mas não era parvo.
Cansado dos problemas que a qualidade das tintas e a gramagem do papel sempre acarretam quando não servidos por meios técnicos suficientes, decidiu dedicar-se ao ilusionismo e ao hipnotismo.
Através de um primo que vivia no Brasil, adquiriu uma dúzia de livros que versavam sobre o assunto. E o meu avô instruiu-se. Dedicou-se. Leu todo o Allan Kardec e o Léon Chertok. Começou por hipnotizar galinhas. Chegou a vez dos coelhos. E depois, a burra. Quando hipnotizou a burra sentiu-se preparado para enfrentar os humanos.
Chamou o rapaz que o ajudava na fábrica de cerâmica. O Carlos (filho de um porqueiro).
Quando o Carlos chegou à beira do meu avô este começou a mexer as mãos.
E a soprar frases amanteigadas até se tornarem imperceptíveis ao ouvido.
Quando o rapaz começou a almarear, disse-lhe o Emídio:
Carlos, a partir de agora, tu não tens picha.
Não tens picha, Carlos.
Estalou os dedos e deixou-o ir.
Durante seis meses, todos os dias, Carlos procurou-o, aflito, pelos corredores da fábrica de cerâmica, em busca de respostas para as suas dúvidas anatómicas.
Oh Emídio, diz-me a verdade, por favor: tenho picha, ou não tenho picha?
Sandro William Junqueira, in Emídio e Ermelinda, Caminho, Junho de 2024, pp. 43-45.
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