segunda-feira, 16 de setembro de 2024

EMÍDIO E ERMELINDA

 


16

  Durante a infância e adolescência, as histórias do Emídio, O Artista que me deram a ouvir e que arquivei na memória não estavam relacionadas com fornos de altas temperaturas ou técnicas de vidrados, muito menos com sucessos empresariais.
   O grande ceramista tinha feito muitas coisas além de porcelanas.

   Tinha enganado este mundo e o outro e protagonizara feitos e intrujices de fazer corar o demónio.

   Com um amigo de juventude, o Inácio (filho de um contrabandista de tabaco), construiu uma máquina de fazer dinheiro falso. Enfiados numa cave, passaram noites inteiras e meses inteiros a imprimir notas falsas de cinco e dez escudos. Apenas de cinco e dez escudos, nada de muito ambicioso, para não levantar sobrolhos.

   O Emídio escondia um coração vigarista, mas não era parvo.

   Cansado dos problemas que a qualidade das tintas e a gramagem do papel sempre acarretam quando não servidos por meios técnicos suficientes, decidiu dedicar-se ao ilusionismo e ao hipnotismo.

   Através de um primo que vivia no Brasil, adquiriu uma dúzia de livros que versavam sobre o assunto. E o meu avô instruiu-se. Dedicou-se. Leu todo o Allan Kardec e o Léon Chertok. Começou por hipnotizar galinhas. Chegou a vez dos coelhos. E depois, a burra. Quando hipnotizou a burra sentiu-se preparado para enfrentar os humanos.

   Chamou o rapaz que o ajudava na fábrica de cerâmica. O Carlos (filho de um porqueiro).
   Quando o Carlos chegou à beira do meu avô este começou a mexer as mãos.
   E a soprar frases amanteigadas até se tornarem imperceptíveis ao ouvido.
   Quando o rapaz começou a almarear, disse-lhe o Emídio:

   Carlos, a partir de agora, tu não tens picha.
   Não tens picha, Carlos.

   Estalou os dedos e deixou-o ir.

   Durante seis meses, todos os dias, Carlos procurou-o, aflito, pelos corredores da fábrica de cerâmica, em busca de respostas para as suas dúvidas anatómicas.

   Oh Emídio, diz-me a verdade, por favor: tenho picha, ou não tenho picha?

Sandro William Junqueira, in Emídio e Ermelinda, Caminho, Junho de 2024, pp. 43-45.


Sem comentários: