sábado, 12 de outubro de 2024

UM POEMA DE ANA ZANATTI

 


AS TRAPEZISTAS

Correram na direcção uma da outra,
subiram juntas ao ponto mais alto
Sapho não sabia que Átis estava presa
por um fio elástico
que a devolvia ao ponto de partida
Sapho, liberta, lançava-se no voo
Átis, a dos seios floridos,
nada sabia da sua invisível prisão

Frente a frente, olharam-se:
era o sinal
Átis receberia Sapho nos seus braços
para o balanço de um novo voo

As luzes da tenda gigante eram agora
estrelas agitadas
Lançaram-se, com a justa diferença de segundos,
uma    outra

No espaço turvo de poeira,
o silêncio inquietava-se

No momento exacto em que Átis tomaria Sapho nos braços,
o elástico puxou-a de volta

Diz quem viu
que foi o voo mais belo,
como belos são os voos solitários,
as mortes

Sapho não caiu
Diluiu-se no pó da noite
deixando um astro a pairar
sobre o coração de Átis

Ana Zanatti, in As Trapezistas, Abysmo, Agosto de 2024, pp. 43-44.


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