MANIPULADORES
Portanto o texto, quero dizer,
é o que interessa.
Obra, a cilada prática da expressão
que atira a pergunta ao ar e foge depressa de ali recusando uma e só
resposta sintetizada. Sublinho a falta de motivo, o mais das vezes
a generalização do artista, obrigatoriamente atado
à moral da história e a políticas que
nunca interessam.
Na mão, a prazo, estes ventos indomáveis
zerando os símbolos para além das formas. Avançamos às
arrecuas, completamente sós, guiados pela menina
dos olhos. Os acidentes em si,
não causam mossa.
Já a habilidade de nos desviarmos
do ponteiro afiado dos relógios que nos acertam
em cheiro, é outra conversa. A arte, sabemos, vem sempre atrasada,
livre, desumana. Criando factos, nunca estamos verdadeiramente
sós. Mais mentirosos, sim, e com todos os dentes.
Não consigo ver um programa do princípio ao fim,
pois adormeço a meio. No país da vocação,
descobrimos, amiúde, a tendência para o conflito insosso ou
inconsequente. Com muita pontaria, os anéis caem no prego.
Vamos, a este respeito, acrescentar coisa nenhuma.
Vai à vida, paixão. Esta herança por contacto, sem camisa, hábito
contrário à norma vigente, eu ainda aceito. Marca um dia, vê lá,
para nos zangarmos a sério, acerca das partilhas desse cadáver simpático.
Sou todo ouvidos.
O que me diz respeito, um rato de laboratório, deu
positivo. Empanturremo-nos de retrovirais,
bebamos para os pés. Experimentemos a escuridão
à luz do dia, que à noitinha dá-se-nos a queda para o catre
a rilhar os dentes sobre o travesseiro. Não perco uma,
às voltas sobre os elementos plásticos do preconceito.
Sabemos ser, encharcados em memento, funcionários.
Complicaram-se, as formas
sulcadas numa estância de areia. Os altos e baixos,
de um falso problema. Vamos dentro, dar à forma sensível,
à família de sangue cruzado. Preto no branco,
declaramos nadas. É isto, uma família
que encerramos em quatro linhas de folha caduca.
A obra uma abstracção, como tudo na vida. Só por hoje,
música concreta, preguiçosamente melancólica.
Chibamo-nos, sem querer,
das fontes que nos alimentam.Passamos fome de
cão, dias seguidos da falta de inspiração,
ó mestre das obras feitas. Encontrei-a ainda há pouco vestida
de cicatrizes, e não é o que mais assusta.
É irrisório recordar que este discurso, sufocado por vazio
de mão cheia, frente ao mar de nada serve. Em vez
dos estados de sítio, alimentamos a melhor porcelana
com a lágrima lendária. No instinto, se deposita
toda a filosofia.
Não gosto de trabalhar,
nada me interessa mais do que a negação diária
dessa tradição de químicos. Batemos no ceguinho,
se preciso for. Espalhamos, por todo o lado,
os correspondentes do silêncio.
Quero imaginar-te como autêntico,
e é difícil. A obra, só por hoje, é a campanha absurda
contra o trânsito dos populistas. Ainda assim
do seu interesse, parece-me. Um abandono sobre o acaso,
a forma natural da vigília,
de olhos vendados.
Nunca nos foge o pé para a dança, com a verdade. Sentimos, à pele,
a deformação excessiva do esgar do palhaço e as mesmas dificuldades.
Nada disto é um perigo a sério às escolas. Ao fim e ao
cabo, só desta maneira. Em que nome falas?
Luís Chacho, in Alto dos Bonecos, Companhia das Ilhas, Março de 2024, pp. 88-90.
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