sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

50 X 22

 


“Tilt”: Scott Walker
 
Scott Walker (1943 – 2019), outro que, ao que parece, também não batia bem da bola. Ainda se podem dizer estas coisas ou fica feio? Tinha a perturbação dos génios, por assim dizer, que se descobrem nesse processo íntimo de alienação que nos abriga dentro das ameaças exteriores. O mundo não são rosas, as que se vêem estão sempre envoltas em teias de caules espinhosos. Walker, o de “Rosary”, nesse genial “Tilt” (1995) que o resgatou do silêncio após um único disco na década de 1980, sabia desses espinhos e, a dada altura, tentando colher uma rosa no meio da teia ficou com os braços feridos, todo arranhado, as mãos atravessadas por lanhos de onde escorria um sangue negro. Ele chegou-nos da década de 1960 com quatro discos homónimos, dos quais o último é bom exemplo do universo cinematográfico que o perseguia. “The Seventh Seal” é uma canção tremenda que revela como por detrás do crooner, em fundo neo-romântico sumptuosamente orquestrado, repousava, por assim dizer, uma mente perturbada que viria a desaguar no compositor dos álbuns pós-1990. “The Drift” (2006) e “Bish Bosch” (2012) são reflexo de um homem cerrado dentro de si a lutar com os seus demónios interiores. Viveu em exílio monástico, tentou suicidar-se, estudou canto gregoriano, compôs algumas das mais esotéricas e herméticas canções de que há memória. Percebe-se? Compreende-se? Eh pá, a gente lá vai construindo sentidos sobre o que ali nos toca verdadeiramente: os ambientes soturnos, aterradores, misteriosos, fantásticos, indeterminados, enigmáticos, labirínticos. Essas coisas.

Sem comentários: