segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

TELEPOEMAS

 


   Frequentava um amigo poeta que assinava os seus poemas com o pseudónimo de Roxi, e que no registo civil se chamava Adalberto Rossi, empregado nos Correios, guichê dos telegramas, da Rua Medagli d'Oro; era licenciado em Direito, infeliz, alienado e empenhado à época em resolver com versos de vinte e uma palavras o problema do narcisismo na poesia contemporânea. Sobre o narcisismo, Adalberto fazia também prolixas e telúricas conferências na Caverna, um teatrinho de bolso instalado numa cave próxima da tipografia Favilla, onde se representavam obras dos autores preferidos de Adalberto. A alienação, como era moda então dizer-se, reinava nos serões culturais da Caverna, quando no estrado intervinham poetas espontâneos e desconhecidos irmanados pelo vínculo da alienação. Mas, não obstante esta eucarística incomunicabilidade, Sexto nunca encontrou coragem, embora bombardeado pela insistência de Adalberto, para expressar aos que ali se encontravam o seu profundo vazio. Não foi empresa fácil resistir aos apelos de Adalberto Rossi, que lançava as suas mensagens em formulários telegráficos. Roxi, de facto, escrevia poemas só em formulários telegráficos: o remetente era o poeta Roxi, naturalmente; o destinatário, em contrapartida, era o homem Adalberto Rossi. O texto poético, que nunca ultrapassava vinte e uma palavras, não utilizava pontuação, mas era ritmado pela cadência dos «stop». O resultado chamava-se telepoema.

Antonio Tabucchi, in O Pequeno Navio, tradução do italiano de Maria da Piedade Ferreira, revisão de Maria José de Lancastre, Publicações D. Quixote, Julho de 2024, pp. 162- 163.

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