Quando se pede a um interlocutor que seja realista, outra
coisa não se lhe pede senão que olhe para a realidade através da perspectiva
que lhe é proposta. Dito isto, sejamos realistas. Se nos ficarmos pelo século
XX, porque seria doloroso recuar mais, verificamos que o povo português aguentou
durante 48 anos uma ditadura de contornos mesquinhos. O salazarismo foi uma
coisa católica ensimesmada, de inspiração nacionalista, que lançou o país num
atraso de vida cultural, moral, social por demais evidente à época da
revolução. Não fosse uma classe militar saturada da carnificina nas colónias,
teríamos aguentado mais uns anos o pseudo-salazarismo marcelista. Chamaram-lhe
Primavera quando, na realidade, não passou de um triste e enfadonho Outono. A
revolução instalou a alegria da mudança, sem transtornos de maior para quem
nada tinha a perder (a maioria da população) e uma misericórdia impressionante
para com quem tinha andado a roubar. A chegada à CEE, após um período de conturbação
política sem nódoas intratáveis, abriu as portas da esperança. O
desenvolvimento era o horizonte, o progresso, que veio a verificar-se em
variadíssimas frentes, era inevitável. Sucede que durante esses anos
posteriores à revolução, logo os vigaristas de outrora regressaram à terra com
a teta na mira. A encabeçar uma quadrilha de gatunos na política, todos eles ao
serviço de interesses financeiros e empresariais, um obtuso chamado Cavaco. Durante
10 anos, este ser inculto deu guarida a gente do calibre de Isaltino Morais, Dias
Loureiro, Duarte Lima, Santana Lopes, Oliveira e Costa ou os agora promovidos
Passos Coelho e Relvas. O caso BPN bastaria para meter grande parte desta gente
atrás das grades. Mas não satisfeito, o povo meteu o obtuso Cavaco na
presidência da República. E com este ser medíocre temos que aguentar mais 20
anos da história portuguesa contemporânea. E vão 68. Agora, o povo português, bastas
vezes alertado para o despesismo denunciado nas derrapagens sucessivas em obras
públicas de interesse nulo (dos CCBs às EXPOs, dos EUROs 2004 às Pontes Vasco
da Gama é só escolher…), queixa-se de lhe andarem a ir ao bolso, como se outra
coisa não tivessem feito estes imbecis que nos governam (são exactamente os
mesmos) há décadas. Andou o povo entretido com Big Brothers e os jogos da
selecção portuguesa de futebol, pendurou as bandeiras nas varandas e tirou
fotografias ao pé do Pavilhão de Portugal, para mais tarde recordar, quem sabe,
os bons tempos em que podia ser roubado sem perceber que estava a ser roubado.
Percebe-o agora. Mais vale tarde que nunca. O que não percebe, e isso torna-se
evidente na civilidade das manifestações até agora levadas a cabo, é que isto
não vai lá com cantorias nem abraços à polícia nem poses para o retrato no
jornal ou hinos da alegria ao som dos Homens da Luta. Patético. Exija-se, de
uma vez por todos, que os responsáveis por esta situação sejam julgados. Temos
tribunais? Temos juízes? Servem para alguma coisa? E julguem-se esses gatunos,
condene-se essa gente, expurgue-se o Estado das sanguessugas que dele se
serviram sob pretexto de andarem a servir a nação. Só começando por aí
poderemos “refundar” o Estado. Tudo o que não for isso será contribuir para a
perpetuação no poder dos novos ditadores, os ditadores da finança, chamem-se
eles Ulrich ou António Borges, mais seus lacaios Coelho & Relvas, enquanto
a seus pés crescerá uma manada de escravos dispostos a tudo por dá cá aquela
palha.
4 comentários:
Eu saberia responder se o título fosse «Como acordar com uma mamada?». Desculpe, Henrique, o mau gosto, mas ocorreu-me isto. E não me contive. Nem é para publicar. É só um cumprimento de um leitor
Anónimo
Como acordar uma manada?
Essa é a questão que levanto à muito tempo.
Políticos são como as moscas, chegam sempre primeiro onde sentem o derramado mel.
O nervo é mesmo esse: "queixa-se de lhe andarem a ir ao bolso, como se outra coisa não tivessem feito estes imbecis que nos governam (são exactamente os mesmos) há décadas.". Completamente de acordo com todo o texto.
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