É vedada a passagem a estranhos
à actividade portuária e a verdade
é que por aqui faríamos
um levantamento dos sons
e dos acasos
melódicos
por um lado os barcos
muito ágeis e que por acaso
não são barcos mas
traineiras
por outro o mar que é reconhecimento
de terra da terra e onde estamos
é terra a acabar ou com sorte
em princípio nesta altura a vida temo-la
por um fio e por força
depois da terra o mar é bravio
faz vento temos sono faz frio
enfim e se vivemos a vida em 35 milímetros
a lota tem muita gente dentro
ou tem a gente a lota pela frente
nenhuma sorte e bem vendo pouca morte
e ultimamente sobretudo um pouco de tudo
o mundo é muito mas que fazer afinal
da roda da frente da bicicleta azul
que dia sim dia não tem um furo?
Hugo Milhanas Machado (n. 1984), in Clave do Mundo (2007). Professor
de filologia portuguesa na Universidade de Salamanca, Hugo Milhanas Machado tem
publicado com frequência desde a estreia com poema em forma de nuvem (2005). A
sua poesia ainda não encontrou o eco crítico que merece, distribuída por
pequenas edições com uma singularidade que escapa às lengalengas estreladas pelo
recenseamento oficial. Poesia com motivos incomuns, tais como acampamentos em Peniche
ou velocipedismo, elaborada a partir de imagens dispersas que encontram na
desconstrução sintáxica um impressionismo assaz sugestivo. Por vezes,
transmite uma invulgar alegria de viver. Noutras ocasiões, deixa-se contaminar
por uma ligeira nostalgia. Não obstante, os poemas são geralmente luminosos e ressoam
experiências, vivências, partilhas, tanto quanto conjugam estes elementos com
memórias disfarçadas por um discurso elíptico que se inscreve no sentido oposto
da narrativa confessional reproduzida por tanta da poesia portuguesa contemporânea.
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