terça-feira, 29 de abril de 2014

THE SPIKES GANG (1974)

É frequente ouvir-se dizer que após duas décadas de ouro o western perdeu fulgor na década de 1960. No entanto, é precisamente nessa década que realizadores como John Ford ou Henry Hathaway assinam alguns dos seus melhores filmes. De Ford, convém lembrar The Man Who Shot Liberty Valance e Cheyenne Autumn. Já a Hathaway devemos The Sons of Katie Elder e o inesquecível True Grit. A década de 60 do séc. XX abriu com o melhor Sturges (The Magnificent Seven) e fechou com o melhor Peckinpah (The Wild Bunch). Pelo meio, há muita filmografia a explorar. Que dizer, por exemplo, da capacidade de reinvenção do género com os filmes de Sergio Leone? O spaghetti western abriu portas que ajudaram a manter vivo o estro herdado de outras épocas e a repensar métodos de produção. É verdade que a década de 1970 não tem grandes momentos para relembrar, à excepção dos magníficos Pat Garrett & Billy the Kid e The Outlaw Josey Wales. Sobram obras inferiores de John Guillermin, Lamont Johnson, Michael Winner, Ted Kotcheff, entre outros. É nos outros que encontramos duas obras especialmente emblemáticas da década: The Cowboys (1972), de Mark Rydell (n. 1929), e The Spikes Gang (1974), de Richard Fleischer (1916-2006). Comecemos pelo último. Fleischer talvez seja mais conhecido por filmes populares, mas desinteressantes, tais como Conan the Destroyer (1984) ou Mandingo (1975) – fonte onde Tarantino terá bebido para o seu Django Unchained. No entanto, com uma carreira iniciada ainda na década de 1940, tem no currículo obras admiráveis. Data de 1956 o filme Bandido, western que contava com Robert Mitchum (Man With the Gun, El Dorado…) no papel principal. Em The Spikes Gang recupera para a linha da frente Lee Marvin, que, apesar de ter arrecadado um Oscar com o cowboy destrambelhado de Cat Ballou (1965), ficou para a história do western como Liberty Valance. É precisamente o vilão de John Ford que Richard Fleischer ressuscita. O filme começa com Harry Spikes (Lee Marvin) agonizante, a esvair-se em sangue depois de ter sido baleado na sequência de um assalto. A fuga irá levá-lo aos braços caridosos de três jovens que, em segredo, cuidarão do famoso assaltante de bancos Harry Spikes. Rodado em Espanha, debaixo do mesmo sol que tornou famosos os filmes de Leone, The Spikes Gang enferma, porém, da inverosimilhança dos cenários. O Rio Grande mencionado no filme nada tem que ver com o imaginário sedimentado pelo filme de John Ford, a vegetação daquelas terras está longe da paisagem seca e árida que imaginamos na fronteira entre Estados Unidos da América e México. Mas nem é esse o maior problema do filme de Richard Fleischer. Há nele uma indefinição que o faz oscilar entre a passagem de testemunho de um fora da lei a três jovens extraviados e um folheto sentimental e moralizador sobre comportamentos desviantes na adolescência. O próprio enquadramento familiar e social dos jovens Will (Gary Grimes), Les (Ron Howard) e Tod (Charles Martin Smith) parece ter saído de um manual bafiento de Educação Moral, Religiosa e Católica. Neste aspecto, a personagem de Gary Grimes é particularmente desnorteante. Foge de casa para não ter que suportar um pai violento, recorda amiúde, em flashbacks momentâneos, as cargas de porrada que o pai lhe dava, mas no momento da morte, já moribundo e derrotado, sonha que está a correr na direcção dos braços abertos do pai e abraça-o:


Em vez de comover, o delírio ridiculariza a personagem. É como se o filme tivesse sido feito a pensar num domingo em família, para os pais poderem exemplificar aos filhos a inconveniência das decisões precipitadas e o perigo das más companhias. Mas se The Spikes Gang é um filme pedagogicamente falhado, ganha pontos quando o observarmos a partir da perspectiva de quem entra na vida adulta pela porta mais trágica. Spikes é uma ponte entre dois infernos. Por um lado, o inferno de uma vida familiar austera e entediante. Por outro lado, o inferno de uma independência agitada, instável, perigosa. O inferno do mundo do crime. A viagem que Will, Les e Tod empreendem arrasta-nos para um Velho Oeste que já não existe. Há no filme uma intenção revisionista que o torna interessante, sobretudo nas lições sobre o mundo do crime que Spike transmite aos jovens. No fundo, Lee Marvin ensina aos “três mosqueteiros” como se sobrevivia no trânsito sem regras do Old West. O código de honra revelar-se-á implacável: serão todos redimidos pela morte. Salva-se o filme, pois, pelo papel e pela interpretação de um grande actor. Marvin adopta os três jovens tanto por recompensa (pelo que fizeram por ele quando estava às portas da morte) como por si próprio. Eles, os três jovens amigos inseparáveis, serão o seu derradeiro testamento. É solidário tanto quanto se mostra calculista, é irónico e cínico, é cómico tanto quanto consternador, é um fora da lei como só ele sabe.

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