Os números são aquilo que quisermos fazer deles. Tenho
ouvido tantas vezes isto que chego a pensar ser um chavão facilmente
desmontável. Mas não. Os mesmos números podem ser apresentados de formas
diversas, gerando assim interpretações contraditórias. Por exemplo, é
possível dizer-se na sequência de um
estudo que «No espaço televisivo português há atualmente 14 espaços
de comentário de militantes de partidos de direita (PSD e CDS-PP) e 13 espaços
de militantes de partidos de esquerda (PS, Bloco de Esquerda, PCP e Livre/Tempo
de Avançar).» Parece haver um equilíbrio, ainda que a esquerda esteja maioritariamente
representada no parlamento. A distribuição do espaço televisivo não tem que ter
isso em conta, mas seria mais equilibrado se tivesse. Prefere dar mais voz à
oposição, aceita-se. Presumamos, no entanto, que alterada a correlação de
forças opte o espaço televisivo pelo mesmo critério: dar mais tempo de antena à
oposição. Seria o ideal, ainda que pouco avisado seja crer em tais cuidados.
No
entanto, aquela mesma afirmação, acerca de uma análise efectuada pelo
Laboratório de Ciências da Comunicação do ISCTE-IUL aos comentadores
«residentes» nas televisões em Portugal, toma outro sentido quando
acrescentamos outros dados revelados pelo mesmo estudo. Senão vejamos: «O PSD tem
11 espaços de comentários fixos, o PS tem 7, o BE tem 4, o CDS-PP tem 3, o PCP
e o L/TDA têm um cada». Ou seja, o PCP tem menos espaço de comentário fixo do
que um partido (?) que nem sequer conseguiu representação parlamentar. O quadro
ao alto é sintomático das paixões, dos amores, das inclinações, enfim de para
onde pende o interesse das nossas televisões. Sabendo da relevância que este
meio ainda tem junto da chamada opinião pública, como discordar daqueles para
quem «a opinião é demasiado fraccionada pelo isolamento dos homens, demasiado
ignorante, demasiado corrompida, porque todos são estranhos face a si mesmos e
face aos outros» (Marx)?
Se noutros tempos tivemos a censura a travar a mensagem,
agora temos a manipulação. Faz-se acreditar que a mensagem passa, quando na
realidade ela permanece isolada num canto recôndito, sufocada pelo ruído, subsumida
na poeira dos dias. Por isto mesmo se revela cada vez mais importante apostar
nas novas formas de comunicação para fazer passar uma mensagem, porque essas (plata)formas
de comunicação estão livres dos constrangimentos que eufemisticamente reduzimos
à ideia de paixões, amores, inclinações dos media tradicionais. O risco que se
corre é o da morte de uma ilusão, ou seja, a da imparcialidade da comunicação.
No fundo, o risco que se corre é o da morte do jornalismo enquanto transmissor
isento, desinteressado, imparcial. Porque o não é, denunciemo-lo com a clareza
que os números exigem.
Nota: vale a pena ler na íntegra esta notícia de Maio passado sobre o estudo supracitado.
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