quinta-feira, 14 de setembro de 2017

DANCES WITH WOLVES (1990)


Depois de um acentuado declínio com cerca de trinta anos, o western conheceu na década de 1990 dois momentos altíssimos. Clint Eastwood (n. 1930) assinou Unforgiven (1992), revisitação dos clássicos a merecer as atenções da Academia com quatro importantes Oscar: melhor filme, melhor actor secundário para o enorme Gene Hackman, melhor realizador, melhor montagem. Menos experiente nestas andanças, apesar de Silverado (1985), o actor Kevin Costner (n. 1955) estreou-se na realização com Dances With Wolves/Danças com Lobos (1990). A aposta valeu-lhe sete Oscar, entre os quais os de melhor filme e de melhor realizador. Não é de admirar o sucesso, tudo neste filme parece ter sido pensado para agradar a quem tem do cinema uma concepção épica. Mas se Dances with Wolves peca pelo moralismo interesseiro, recuperando para os Sioux a dignidade ferida por uma indústria que tantas vezes foi leviana na diabolização dos indígenas, capitaliza num certo romantismo imagético sobre a relação do Homem com a Natureza.
Tratando-se de um filme repleto de improbabilidades, não deixa de nos tocar nesse ponto fulcral onde o homem se encontra consigo mesmo, à medida que aceita a transformação da sua identidade no convívio solitário e isolado com o meio envolvente. O cenário é de vastas planícies, entre as quais o lobo solitário será um símbolo por excelência da identidade do nosso herói. Mais ainda pelas assimilação e integração dos valores básicos de uma tribo que o acolherá. Paradoxalmente, o encontro com o selvagem operado ao longo da história torna-se, também, um momento de consciencialização da barbárie, a qual surge, e não é original tal associação, no domínio de uma civilização em estado de absoluta alienação. Três tentativas de suicídio pautam o ritmo da narrativa. Dois deles falhados, outro consumado, indicam o poder determinante do acaso sobre a vida e o estado de degenerescência da paisagem humana aqui retratada.
Numa tentativa de se matar, o Lieutenant Dunbar achar-se-á elevado ao estatuto de herói no decorrer de uma batalha em plena Guerra Civil. Condecorado pelo feito improvável, filmado numa sequência inicial cujo enquadramento logo nos diz ao que vamos, pede para ser colocado na fronteira. Consegue-o, sendo enviado para um posto ao abandono. Ali ficará sozinho meses a fio, tendo por companhia apenas o cavalo e um lobo que o observa à distância. Os índios aparecerão depois. Uns muito maus, outros muito bons, continuam sem ter neste filme a homenagem merecida, ensaiada por Ford com Cheyenne Autumn (1964).
Se limparmos a maquilhagem sentimental com que ficamos? A resposta é simples, ficamos com uma mão cheia de belas cenas num cenário de pura ficção. Há delas inesquecíveis. Numa das melhores vemos um homem a dançar à volta de uma enorme fogueira. É o momento preciso em que percebemos a metamorfose do Lieutenant Dunbar em Dances With Wolves, nome de baptismo sioux. Está sozinho no seu posto, já depois de ter estabelecido comunicação com os vizinhos indígenas, conquistando-lhes respeito e sendo aceite como um entre mais. A cena é especialmente bonita por ser também nesse momento que o homem se encontra com o lobo, um animal que traz dentro de si e renasce naquela dança circular, em torno do fogo, dança poderosa de convocação do eu interior. Os espíritos, instalados num lugar que é o deles, bem podem por lá ficar. Nesta dança é o homem que se convoca a si mesmo, o homem natural, íntegro, selvagem nesse sentido das coisas puras, iniciáticas, únicas, singulares. Dunbar queria ir para a fronteira antes que ela desaparecesse, nela se instalou para a superar. Aquele momento, aquela dança, é o símbolo da transposição. A fronteira entre o eu e o outro que existia na consciência corrompida do Lieutenant desapareceu, sumiu-se com os fumos das altas chamas.

A paixão de Costner pelo western não se ficou por aqui. Regressou no papel de Wyatt Earp (1994), dirigido por Lawrence Kasdan (n. 1949), e voltou à realização com uma história de amizade ao lado do experiente Robert Duvall (n. 1931). Open Range – A Céu Aberto (2003) ficou a milhas do sucesso alcançado com Dances with Wolves (1990). Nestas como noutras matérias o sucesso jamais será o melhor conselheiro.

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