Depois de um acentuado declínio com cerca de trinta anos,
o western conheceu na década de 1990 dois momentos altíssimos. Clint Eastwood
(n. 1930) assinou Unforgiven (1992), revisitação dos clássicos a merecer as
atenções da Academia com quatro importantes Oscar: melhor filme, melhor actor
secundário para o enorme Gene Hackman, melhor realizador, melhor montagem.
Menos experiente nestas andanças, apesar de Silverado (1985), o actor Kevin
Costner (n. 1955) estreou-se na realização com Dances With Wolves/Danças com
Lobos (1990). A aposta valeu-lhe sete Oscar, entre os quais os de melhor filme
e de melhor realizador. Não é de admirar o sucesso, tudo neste filme parece ter
sido pensado para agradar a quem tem do cinema uma concepção épica. Mas se
Dances with Wolves peca pelo moralismo interesseiro, recuperando para os Sioux
a dignidade ferida por uma indústria que tantas vezes foi leviana na
diabolização dos indígenas, capitaliza num certo romantismo imagético sobre a
relação do Homem com a Natureza.
Tratando-se de um filme repleto de improbabilidades, não
deixa de nos tocar nesse ponto fulcral onde o homem se encontra consigo mesmo, à medida que aceita a transformação da sua identidade no
convívio solitário e isolado com o meio envolvente. O cenário é de vastas
planícies, entre as quais o lobo solitário será um símbolo por excelência da
identidade do nosso herói. Mais ainda pelas assimilação e integração dos valores
básicos de uma tribo que o acolherá. Paradoxalmente, o encontro com o selvagem
operado ao longo da história torna-se, também, um momento de consciencialização
da barbárie, a qual surge, e não é original tal associação, no domínio de uma
civilização em estado de absoluta alienação. Três tentativas de suicídio pautam
o ritmo da narrativa. Dois deles falhados, outro consumado, indicam o poder determinante
do acaso sobre a vida e o estado de degenerescência da paisagem humana aqui
retratada.
Numa tentativa de se matar, o Lieutenant Dunbar achar-se-á
elevado ao estatuto de herói no decorrer de uma batalha em plena Guerra Civil.
Condecorado pelo feito improvável, filmado numa sequência inicial cujo
enquadramento logo nos diz ao que vamos, pede para ser colocado na fronteira. Consegue-o,
sendo enviado para um posto ao abandono. Ali ficará sozinho meses a fio, tendo
por companhia apenas o cavalo e um lobo que o observa à distância. Os índios
aparecerão depois. Uns muito maus, outros muito bons, continuam sem ter neste
filme a homenagem merecida, ensaiada por Ford com Cheyenne Autumn (1964).
Se limparmos a maquilhagem sentimental com que ficamos? A
resposta é simples, ficamos com uma mão cheia de belas cenas num cenário de
pura ficção. Há delas inesquecíveis. Numa das melhores vemos um homem a dançar
à volta de uma enorme fogueira. É o momento preciso em que percebemos a
metamorfose do Lieutenant Dunbar em Dances With Wolves, nome de baptismo sioux.
Está sozinho no seu posto, já depois de ter estabelecido comunicação com
os vizinhos indígenas, conquistando-lhes respeito e sendo aceite como um entre
mais. A cena é especialmente bonita por ser também nesse momento que o homem se
encontra com o lobo, um animal que traz dentro de si e renasce naquela dança
circular, em torno do fogo, dança poderosa de convocação do eu interior. Os
espíritos, instalados num lugar que é o deles, bem podem por lá ficar. Nesta dança
é o homem que se convoca a si mesmo, o homem natural, íntegro, selvagem nesse
sentido das coisas puras, iniciáticas, únicas, singulares. Dunbar queria ir
para a fronteira antes que ela desaparecesse, nela se instalou para a superar. Aquele
momento, aquela dança, é o símbolo da transposição. A fronteira entre o eu e o
outro que existia na consciência corrompida do Lieutenant desapareceu, sumiu-se
com os fumos das altas chamas.
A paixão de Costner pelo western não se ficou por aqui.
Regressou no papel de Wyatt Earp (1994), dirigido por Lawrence Kasdan (n.
1949), e voltou à realização com uma história de amizade ao lado do experiente
Robert Duvall (n. 1931). Open Range – A Céu Aberto (2003) ficou a milhas do
sucesso alcançado com Dances with Wolves (1990). Nestas como noutras matérias o
sucesso jamais será o melhor conselheiro.
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