domingo, 7 de outubro de 2018

A FACE NOJENTA DE UM PAÍS


Uma semana depois de a Der Spiegel ter publicado uma investigação jornalisticamente irrepreensível (talvez muita gente tenha falado sem a ter lido), muitos intelectuais portugueses expuseram à luz do sol a sua cabeça cavernícola, habitualmente disfarçada por uns livros e umas citações, mas muito a fazer pendant com a cabeça do juiz da Relação do Porto autor do famoso acórdão da “sedução mútua”. 
Se Henrique Monteiro, ex-director do Expresso, manifestou que a queixosa, por ter aceitado subir a um quarto de hotel de um homem, “não é nenhuma santa”, Raquel Varela prontamente desqualificou a acusação de Mayorga por ela ser uma “prostituta”, o que não está provado em nenhuma parte do texto da Der Spiegel. Apesar de insistir que “a violação é um crime de enorme gravidade”, o ponto de argumentação de Varela é que Mayorga recebeu dinheiro e que ela, Varela, nunca recebeu dinheiro de “um homem com quem tivesse tido uma relação”: “Jamais andarei lado a lado numa manifestação ao lado destas tipas [sic].”
O problema com este discurso desta professora universitária é a reprodução fidelíssima, de uma forma maquilhada para o século XXI, da tese de que as “mulheres sérias” não podem ser vistas ao lado das prostitutas, sob pena de perderem o seu estatuto social. Se fosse só Raquel Varela a debitar estas alarvidades, estaríamos todos bem. Mas as redes sociais encheram-se nos últimos dias de mulheres (algumas intelectuais, como Teresa Rita Lopes, que refere “os azares de Ronaldo de que os seus advogados hão-de tratar”) a reproduzirem ipsis  verbis o mesmo.


Ana Sá Lopes, aqui.

5 comentários:

Anónimo disse...

no fundo é aquela história da sentença da coutada do macho latino. sendo ronaldo o nosso macho cobridor internacional por excelência, está tudo bem.

tinha uma amiga que dizia que antes vivíamos na idade média e agora vivemos na idade "multimédia". lembro-me sempre disto em casos como este.

Anónimo disse...

Aquilo que tenho ouvido sobre este caso está a um nível que eu nunca pensei ser possível; tenho aberto a minha boca de espanto com tamanhas barbaridades. Não concordando eu com as palavras de Raquel Varela, cabe-me, em abono da verdade, esclarecer que ela não refere que a queixosa é prostituta (recebeu dinheiro em troca de atos de teor sexual). O que eu penso que ela critica veementemente é o facto de a alegada vítima ter aceitado o acordo, isto é, dinheiro para se manter "calada e quieta" sobre este assunto. No argumentário entram coisas como desrespeito pelas vítimas que sofreram consequências por terem denunciado o abuso e eventual falta de moralidade para mais tarde vir pedir responsabilidades (isto infiro eu). Enfim, é o que temos nos dias de hoje...
Nuno

hmbf disse...

Outro argumento curioso, que ouvi hoje, era o de que o Ronaldo sempre foi boa pessoa, até ofereceu ambulâncias a bombeiros e cadeiras de rodas a necessitados. Por respeito, não desatei à gargalhada. Tudo se mistura, tudo se confundo, tudo se relativiza. Há uma incapacidade crescente para focar o pensamento num problema, isolá-lo, pensá-lo, reflecti-lo. Tudo é emoção e inclinação e paixão e doxa. Aquilo a que alguém chamava pessimismo da razão, procurando equilibrá-lo com o optimismo da vontade, transformou-se em ausência de razão. Mero vazio opinativo. E isso não ajuda nada.

Anónimo disse...

Não há dúvida de que Ronaldo é culpado.

MJLF disse...

Também fiquei atarantada com os comentários do caso e li por curiosidade o que a drª petit bourgeois rouge escreveu, aquilo era assim a atirar para o retrógrado. E pensar o mundo a partir do seu umbigo e não a partir da complexidade de quem o habita, a natureza humana e a natureza da qual fazemos parte é claro que gera chorrilhos de asneiras. Estamos a viver tempos difíceis, até para manter um raciocínio claro e limpo sobre alguma coisa. Sinto dificuldade nisso, porque há muito ruído, o ruído barulho dos media e redes sociais é insuportável.