Leio este post e fico sem saber o que esperar de uma
biografia. É evidente o trabalho imenso que terá dado a escrita de O
Poço e a Estrada, sendo mais que justo reconhecer à autora o mérito de superar constrangimentos
diversos apostando numa leitura exaustiva da obra de Agustina. É essa a sua
fonte principal para a biografia. Até aqui tudo excelente. Mas por vezes Isabel
Rio Novo perde-se em considerações subjectivas, agravadas pela tendência para se
colocar a si mesma no centro de uma narrativa onde faz questão de participar. Dei
exemplos aqui e aqui. Outro pode ser observado num parágrafo
iniciado na página 109. Informa-nos a autora de que fez duas viagens à Régua —
«Fiz a viagem à Régua, claro.» —, primeiro, de automóvel, e depois, de
comboio. Seguem-se as suas impressões pessoais acerca das viagens empreendidas:
«A linha férrea acompanhou o meu percurso pela nova marginal, contornando a
faixa cristalina do rio. (…) o alto de Fontelas, com a bacia da Régua e o monte
de São Domingos, conserva um aspeto grandioso, capaz de me fazer despontar dos
lábios banalidades acerca da imponência das montanhas (…)». Não poupando o leitor às
banalidades despontadas dos lábios, acrescenta-lhes um êxtase místico: «A bordo
do comboio que percorre a linha do Tua, tive a impressão de seguir Agustina e
de conhecer a paisagem com que conviveu». E acrescenta ainda que os
malmequeres são flores que lhe provocam sempre uma alegria infantil. Por fim,
diz-nos que a viagem lhe deu a convicção de compreender melhor alguns romances
de Agustina e alguns filmes de Manoel de Oliveira. Não explica porquê,
limitando-se a concluir: «E, sim, é verdade, creio que vi uma das paisagens
mais bonitas do mundo». Acreditamos que sim. Mas tudo isto é sobre Isabel Rio Novo, numa biografia de
Agustina Bessa-Luís.
4 comentários:
A tese biográfica do Emanuel Cameira sobre a &etc, que já está online, sofre do mesmo mal de "egotite" aguda. Deve ser moda.
Não entendo porque razão a biógrafa não pode entrar no livro que escreve.
Ainda por cima esta biografia é especial, pois foi construída sem a presença da biografada e sem o apoio dos seus familiares.
Pode e entra sempre, inevitavelmente. Mas há várias formas de entrar. Comprei o livro para conhecer melhor a vida de Agustina. Até agora, nada que não soubesse já através da leitura de entrevistas e do visionamento de documentários. A biografia é uma colagem sucessiva de citações dos livros da Agustina, de excertos de entrevistas, etc... Tudo isso é legítimo, mas enfraquece a biografia quando o texto da biógrafa resvala para considerações subjectivas e pessoais sobre si própria, tais como o efeito que uma paisagem de malmequeres lhe provoca ou onde e como passou a sua infância... Ao leitor não interessa a vida de Isabel Rio Novo, interessa a de Agustina Bessa-Luís.
A nota de Eduardo Pitta no seu blogue, antecipando a "sede própria" onde exerce os seus encómios (onde?, na revista Sábado?) é podre de chique. Desta vez, o "meio" é "milieu". Nada mau.
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