Saí para comprar tabaco. As lojas do bairro estão todas
encerradas, à excepção de dois cafés, da mercearia e do restaurante de kebab. Caldas
cumpre o cenário deprimente a que estamos confinados. Entrei na mercearia do
bairro e abasteci-me de alho francês e pimentos, polpa de tomate, bananas. O
pão estava esgotado. Cruzei-me com uma pessoa conhecida, não nos
cumprimentámos. No café onde compro tabaco estavam três clientes em mesas
consideravelmente afastadas umas das outras, um deles usava máscara. A
empregada tinha luvas. Meti-me no carro para desenferrujar o motor, dei uma
volta pelo quarteirão. Na rádio passava “O Primeiro Dia”, do Sérgio Godinho.
Deve ter sido a primeira vez que não gostei de ouvir aquele refrão. Isto parece
uma cidade fantasma. No E.Lecrec havia fila à entrada, no Pingo Doce também,
mais curta. Estacionei e esperei pela minha vez na fila, o segurança esticava
as luvas, ajeitava a máscara, borrifava o ar com gestos convictos e aparentemente
eficazes. Pareceu-me realizado e com espírito de missão. Ninguém ousou
faltar-lhe ao respeito, subiu alguns degraus no seu estatuto de mero segurança
de hipermercado. Parecia um daqueles polícias que vemos em séries do tipo CSI.
A senhora do pão foi muito simpática, acabei por lhe comprar também brioches e
pampilhos. Os melhores pampilhos são os do meu amigo Paulo, que está em
Curitiba e vai ser pai pela segunda vez. Que lhe corra tudo bem. Regressei ao
carro e devolvi-me ao lar, onde agora estou sentado a escrever enquanto escuto
os meus vizinhos ciganos a jogar à malha. Nunca o som daqueles ferros a baterem
no chão cimentado me soou tão melódico.
1 comentário:
«...o segurança esticava as luvas, ajeitava a máscara, borrifava o ar com gestos convictos e aparentemente eficazes. Pareceu-me realizado e com espírito de missão...»
Mais um frustrado que queria pertencer aos quadros do Exército, Marinha, Força Aérea, Polícia de Segurança Pública (PSP), ou Guarda Nacional Republicana (GNR), mas não conseguiu.
Portugal, um país de parolos(as).
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