sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

THE WITCHING HOUR (1979)


 

Mais um ano passou, dizemos para ludibriar a incomensurabilidade da ruína. Impelidos pela perspectiva de um futuro inalcançável, os vizinhos lançaram foguetes ao coração da memória. Rebentou com estrondo e várias cores. Deitei-me cedo, embalado pela gaguez de um candidato à presidência do meu país. Ainda me ri ao constatar que foi o único entrevistado nas mesmas condições que o jornalista de serviço não conseguiu interromper. Como se interrompe alguém que passa o tempo a interromper-se a si mesmo? O primeiro dia do ano foi desenfastiado a ver Soul, a mais recente produção, por sinal muito boa, da Walt Disney, esse reino de fantasia onde apetecia viver de verdade. Depois entretive-me a folhear num jornal as mortes do ano que findou. Dei pela falta de Diane di Prima. Os poetas são os primeiros a ser esquecidos. É um exercício mórbido, reconheço, passar em revista um ano olhando para os rostos que partiram. Tenho o costume de o fazer. Por um lado, reforço uma ideia de transitoriedade que me exige o maior proveito possível de cada momento que passa. Por outro, relembro quão vã é a glória dos que estão e quão ténue a memória dos que partem. Meto a tocar Very R.A.R.E., de Elvin Jones. A balada de Roland Hanna é perfeita e o saxofone de Art Pepper responde a todas as dúvidas.

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