Jamais a censura foi tão perfeita. Jamais a opinião
daqueles a quem se faz crer ainda, em certos países, que são cidadãos livres,
foi tão pouco autorizada a tornar-se conhecida, cada vez que se trata de uma
escolha que afectará a sua vida real. Jamais foi permitido mentir-lhes com uma
tão perfeita ausência de consequência. O espectador é suposto ignorar tudo, não
merecer nada. Quem olha sempre, para saber a continuação, jamais agirá: e tal
deve ser o espectador.
p. 35.
O fluxo de imagens domina tudo, e é igualmente qualquer
outro que governa a seu gosto este resumo simplificado do mundo sensível; que
escolhe aonde irá esta corrente, e também o ritmo daquilo que deverá
manifestar-se nela, como perpétua surpresa arbitrária, não deixando nenhum
tempo para a reflexão, e em absoluto, independentemente do que o espectador
possa compreender ou pensar. Nesta experiência concreta da submissão
permanente, encontra-se a raiz psicológica da adesão tão generalizada àquilo
que lá está, que vem a reconhecer-lhe ipso facto um valor suficiente. O
discurso espectacular cala evidentemente, além de tudo aquilo que é
propriamente secreto, tudo aquilo que não lhe convém. Daquilo que mostra ele
isola sempre o meio, o passado, as intenções, as consequências. É, portanto, totalmente
ilógico. Já que ninguém pode contradizê-lo, o espectáculo tem o direito de
contradizer-se a si mesmo, de ratificar o seu passado. A altiva atitude dos
seus servidores quando têm de fazer saber uma versão nova, porventura mais
mentirosa ainda, de certos factos, é de ratificar rudemente a ignorância e as
más interpretações atribuídas ao seu público, ainda que sejam os mesmos que na
véspera se apressavam a difundir esse erro, com a sua habitual certeza. Assim,
o ensino do espectáculo e a ignorância do espectador passam indevidamente por
factores antagónicos quando nascem um do outro. A linguagem binária do
computador é igualmente uma irresistível incitação a admitir em cada instante,
sem reservas, aquilo que foi programado como muito bem quis qualquer outro, e
que se faz passar pela fonte intemporal duma lógica superior, imparcial e
total. Que ganho de rapidez, e de vocabulário, para julgar de tudo! Político?
Social? É preciso escolher. O que é um não pode ser o outro. A minha escolha
impõe-se. Sopram-nos, e sabe-se para que são estas estruturas.
pp. 41-42.
É necessário que haja desinformação, e que ela se
mantenha fluída, podendo passar por todo o lado. Lá onde o discurso
espectacular não é atacado seria estúpido defendê-lo; e este conceito, contra a
evidência, usar-se-ia rapidamente par ao defender a respeito de assuntos que,
pelo contrário, devem evitar chamar as atenções.
p. 62.
O conceito confusionista de desinformação foi posto em
alerta para refutar instantaneamente, ao simples sussurro do seu nome, toda a
crítica que as diversas agências de organização do silêncio não foram capazes
de fazer desaparecer. Por exemplo, poder-se-ia dizer um dia, se isso se
revelasse desejável, que este escrito é um empreendimento de desinformação
sobre o espectáculo; ou então, o que é a mesma coisa, de desinformação em
detrimento da democracia.
p. 63.
A imbecilidade crê que tudo é claro, quando a televisão
mostrou uma bela imagem e a comentou com uma audaciosa mentira.
p. 75.
Há em toda a parte muitos mais loucos que outrora, mas o
que é infinitamente mais cómodo é que pode falar-se disso loucamente.
p. 84.
O destino do espectáculo não é certamente acabar em
despotismo esclarecido.
Guy Debord, in Comentários sobre A Sociedade do
Espectáculo (1988), trad. Fernando Silva e Edmundo Calado, mobilis en mobile,
1995.
1 comentário:
Muito bom. Cruelmente verdadeiro.
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