Diz que não é poeta, apenas junta palavras e imagens. Em
introdução breve, explica que o livro nasceu numa conta de Instagram a que deu
o nome Pale Pink. O formato em papel reproduz o plano vertical da rede em
causa, objecto de colecção com pormenores gráficos deliciosos a fazerem justiça
à principal actividade da Autora. Tem dois livros “a sério” (a expressão é
dela) anteriores a este, “A Terapia do Tricot” e “Re-use”. O tecido agora é
outro, chama-se pele. A verdade é que o resultado desta aventura é fascinante.
O diálogo entre imagens e palavras perfeitamente conseguido, o olhar atento,
afinado na beleza do que passa quotidianamente despercebido, revela-se de um
lirismo que tomaria a muitos. As fotografias são excelentes, as palavras
oscilam entre a legenda e o poema minimal. Por vezes a pequena história
intromete-se com ingredientes certeiros: «Não havia nada no correio. / Quando
abri a caixa, o silêncio que / retirei de lá foi tamanho / que o empurrei
novamente para dentro, / fechando-a. / Depois, engoli a pequena chave. / Agora
estou mal disposta.» (p. 33) Outras vezes o poético irradia de superfícies
enrugadas, ferrugentas, lascadas, janelas partidas, cortinas velhas, em
conversa metafórica com as manchas na pele que denunciam a passagem do tempo
num corpo físico que não escapa ao auto-retrato parcial. Tudo com equilíbrio e
simplicidade, um cuidado tocante a merecer sublinhados, «que a vida lá fora / é
uma série má da netefeliquese» (p. 27).
Zélia Évora, (às vezes vale a pena) Sair do presente, edição da autora, Março de 2021.
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