sexta-feira, 5 de novembro de 2021

TOMA E EMBRULHA

Esta noite sonhei que tinha regressado à livraria. Meteram-me a fazer embrulhos de Natal. Caso não saibam, por esta época recebíamos sempre muitos emails com indicações precisas acerca dos embrulhos. Enviavam com fotografias e tudo, porque era imperioso fazer dobras precisas no papel e colar autocolantes no sítio certo. Aquilo obrigava a um curso de arquitectura só para cumprir o design de embrulhos adoptado pelo marketing da empresa. E quem não cumprisse ficava sujeito a reprimenda. Enfim, tudo tem a sua arte. Até as reprimendas. No meu sonho, porém, havia uma novidade que não era bem novidade. Foi coisa que em tempos vigorou, mas depois se perdeu: embrulhos para meninos e embrulhos para meninas, para os cavalheiros de uma maneira, para as madames de outra. Um cliente chegava ao balcão com um Helena Sacadura Cabral e a gente perguntava, é para oferecer a um senhor ou a uma senhora? Mediante a resposta, adequava-se o embrulho. Pois bem, desta feita, no meu sonho, apanhei com um hermafrodita carregado com livros do valter hugo mãe. Cumprindo escrupulosamente o guião do funcionário exemplar, questionei: é para menino ou para menina? O cliente hermafrodita acirrou-se, todo ele veio para cima de mim com teses e teorias sobre identidade de género. E falava aquela língua esquisita do Sistema Elu. Pediu o livro de reclamações. Fez-se uma bicha interminável nos embrulhos. Pior, era uma bicha de gente com sacos de pano a tiracolo, sacos com as cores do arco-íris que, às tantas, se converteram em bandeiras. Toda a gente queria reclamar, e havia malta para todos os gostos, hétero, homo, bi, andro, gine, assexual, andróginos, lésbicas, gays, transgénero, intersexo e o mais que consigam imaginar, tudo aos berros a reclamar dos embrulhos para meninos e para meninas. Também havia um cromo do Benfica (há sempre um cromo do Benfica), que queria reclamar porque o Livro de Reclamações era o vermelho. Ele achava que devia ser encarnado. Fiquei numa aflição, para o que havia de estar guardado. Fechei-me no backoffice a ler a biografia do Nabeiro, pelo José Luís Peixoto. Como se fosse beber um cafezinho para descanso e paz da consciência. Supunha eu que me ia saber bem, mas acordei. Deve ter sabido horrivelmente.

1 comentário:

sonia disse...

Afff! Que pesadelo dos diabos!!! Também tenho-os às dúzias.