Tinha tudo para dar certo. E deu. Logo a
abrir escutamos a slide guitar de Ry
Cooder sobre os passos apressados de um homem em paisagem inóspita. Não
é nenhum lonesome cowboy a vagabundear por Monument
Valley, é um homem desarmado, indefeso e indigente, nas terras áridas do deserto de
Mojave. A música cativa-nos, assim como a paisagem, e o corpo magro do actor
Harry Dean Stanton adquire nesse momento as feições da imortalidade.
Permanecerá mudo durante largos minutos, irritando-nos até a dado momento.
Aguentamos a pé firme porque, afinal, o argumento foi escrito por Sam Shepard,
um dos nossos contistas favoritos (também actor, também realizador, também
tantas outras coisas). Além do mais, a realização é do alemão Wim Wenders. Já nos tinha oferecido A Angústia do
Guarda-Redes no Momento do Penalty (1972), Alice nas Cidades (1974), O
Amigo Americano (1977). Também sabemos que lá mais para a frente há-de
aparecer Nastassja Kinski, só por si vale um filme inteiro. Portanto, vários astros
se conjugam a favor de Paris, Texas
(1984). A gente aguenta. O que não se aguenta é A Sagrada Família, texto de Pedro Mexia que praticamente se limita
a descrever o filme de uma ponta à outra. Não obstante, é lá que vamos buscar
esta ideia de um filme em busca do tempo perdido. Diz o poeta: «Em 1984, Wim
Wenders andava há já uma década a filmar a América profunda, e conhecia bem
essas odisseias tristes, on the road,
estradas, motéis, estações de serviço, em direcção à cidade dos anjos.» Pois,
parece que sim. Travis, a personagem interpretada por Harry Dean Stanton, é a
figura do homem em busca do tempo perdido, esse lugar inicial onde o amor foi
possível. Paris, não a capital europeia, mas a pequena e desértica cidade do Texas,
da qual Travis guarda uma fotografia como se fosse possível a alguém trazer
consigo um postal do paraíso perdido. O resto já se sabe, famílias destroçadas,
uns subjugando-se ao jogo da publicidade, outros perseguindo sonhos como
utopistas na direcção de um horizonte inalcançável. Reconciliação impossível, o amor não é conciliável com o ciúme. Também há um miúdo neste
filme, mas vou prescindir dele. Prefiro concentrar-me no rosto de Harry Dean
Stanton fundindo-se com o de Nastassja Kinski nos reflexos sobrepostos na
cabine de um peep-show. Que porra de conjugação mais improvável, tão bonita,
tão triste, tão romântica.
1 comentário:
Revi há uns tempos. Achei bem mais fraco do que aos 18 anos.
Enviar um comentário