Ardem-me os olhos e não é de sonos mal passados nem de álcoois ou tristezas, ardem-me de cansaços antigos. Fui ver o que era feito dele, o rapaz que dava pelo nome de Baby Bird. Quando eu era feliz, ele aparecia muito nas capas dos jornais. Depois desapareceu. Terei alguma vez sido feliz? Quantas vezes merece alguém ser feliz durante o percurso de uma vida? Pouco descobri sobre esse que escreveu centenas de canções de um dia para outro, mas aquilo só tinha interesse em gravações rudimentares. Quando passou para um estúdio em condições perdeu a graça, o sucesso matou-o. Dedicou-se à escrita, é o que fazem as pessoas cuja graça se perdeu num fugaz momento de fama. Levava-o comigo para todo o lado e ontem aconteceu levá-lo novamente quando, a caminho de um café, bati com o nariz na porta fechada, contornei o prédio e entrei pelas traseiras reivindicando o tinto e a sandes de presunto a que tinha direito. Já nada me liga àquele sangue. Vim para casa a pensar nisso mesmo, sem remorsos. As coisas são como são, tortas. Não vale a pena o esforço de tentar endireitá-las. À noite, os cafés enchem-se de gente aos berros sobre televisões ligadas num qualquer canal desportivo. Os homens falam demasiado alto, aparentemente tolhidos por uma embriaguez que é só vontade de dar nas vistas. Elas servem-lhes sorrisos perscrutados por uma tristeza comezinha retocada ao espelho da casa de banho. Eles têm barrigas grávidas de excessos e desperdícios, prazeres arrotados para dissimular sentidos. Perdem demasiado tempo com piadas sem piada alguma, armados em brutos como se fosse necessário fingir aquilo que naturalmente se é. Ardem-me os olhos de cansaços antigos, doença bela espalhando-se pela alma, atingindo o corpo, corroendo o espírito que obriga a óculos de sol na noite mais escura. Talvez uns minutos a mais no banho possam adiar esta morte.
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