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Do reboliço, tráfego e tumulto,
Vê de longe as perdas e insultos,
Que faz o Mundo vil da nécia gente.
Aos cuidados tem posto freio
Mui alheio
Do perigo
Que consigo
Traz a vida,
Que embebida
No peçonhento gosto da cobiça
O fogo com que arde assi atiça.
Enlevado nas falsas esperanças,
Vis lhe parecem, e baixas as privanças
Dos príncipes, dos reis e dos senhores;
Por abundância tem e por riqueza
A pobreza,
Que imiga
Da fadiga
Não consente
Descontente,
Por ver o coração, que por viver
Sem cuidado e temor quis pobre ser.
As ambições que os olhos d’alma cegam,
Despreza as vãs promessas que enlevam
Ao vão pensamento cuidadoso;
Este por mau e por perverso tive,
E assim vive,
Porque a vida
Consumida
Com cuidados
Escusados
E sujeita a desconcertos da Ventura
Não é vida vital, mas morte pura.
Importunas do bem ou mal futuro;
Os vários sucessos vê seguro,
Livre de medo, insento de mudanças;
E posto que a vida breve seja,
Não deseja
Estendê-la;
Goza dela
Que parece
Que enriquece:
Porque a vida ocupada em buscar vida,
Acha-se mal gastada e não crecida.
A perigos imensos avisado,
Mas co ânimo constante e sossegado,
Goza dos corações leais e certos;
Quando o bravo mar furioso,
Belicoso,
Fogo acende,
E pretende,
Com estranha
Ira e sanha
Roubar a cara paz, cá na Terra,
Com sossego está-se rindo da guerra.
O rouco som que assombra o esforçado;
Não teme do cruel e vão soldado
A espada de sangue cobiçosa;
Nem o pelouro da espingarda saindo,
Retinindo
Plo ar, voa,
Ledo, e soa;
Mas descendo,
Não se vendo,
Vai ferir antre muitos o coitado,
Que tal caso está bem descuidado.
Cativa a vista e regra a lei que segue,
E a outra vontade a sua entregue,
Refreando o errado pensamento;
Contudo, tem mais certa liberdade
A vontade
Que aceita
Ser sujeita,
Porque os danos
E enganos
Que procedem do próprio parecer,
Senhor de si a um não deixa ser.
O esperto pensamento ao Céu fermoso,
E da vida e de si mesmo queixoso,
Morre por possuir riqueza tanta;
Ora com doces ais o Céu rompendo
E gemendo
Diz à morte:
Dura sorte!
Se vieras
E me deras
Um golpe tão esquivo que morrera,
Por verdadeira vida te tivera.
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