23.
Abandonei um par de sapatos
em Milão, em Malta
umas calças, uma camisola
ficou em Alcalá de Henares, nas costas
de uma cadeira, em Nova Iorque
(para onde nunca viajei)
o blusão que comprara nos saldos.
Lapsos, deliberações, actos falhados?
Não incluo na lista peças miúdas,
espalhadas pelo chão de muito sítio, nem o cachecol
que confiei a um amigo nessa noite
em que tive ganas de o apertar até ao fim.
Em todo o caso, vestuário
e calçado bastante para me trajar
por inteiro e que outro qualquer
passou a usar ou foi destruído, alguém
atirou para o fundo de um armário.
Havendo ainda que considerar a hipótese
inversa, a de ter sido o corpo
largado por aí aos poucos
e andar a roupa à solta,
quero dizer, nua, sem estar eu lá dentro.
José Ricardo Nunes, in De Humani Corporis Fabrica, não (edições), Abril de 2024, p. 33.
1 comentário:
Não conhecia o autor, mas tem poesia nas palavras.
Obrigado pela nota.
Abraço
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