Não permitirei que o ódio me contamine
corroendo o ânimo tão dificilmente conquistado
de uma vida lado a lado
com a perda e a vitória
com o fracasso e o sucesso
com a morte
com a vã glória de julgar alcançados
e decididamente instituídos
os direitos de quem sonha e constrói
de quem por paixão a liberdade emenda
a cada acto de inspirar expirar
o fim a que se propõe
Não
Não permitirei que escavem à minha volta
a voragem do desespero
fazendo-me crer no mal absoluto
de coisas tão concretas como o sangue
empurrando-me para onde tombam desarmados
em trincheiras anónimas
e valas comuns
aqueles a quem deus cobrou o pranto
de uma fúria sem fins
Porque tudo neles é vazio e oco
apocalíptico desprezo e raiva
tudo neles tolhido pelo medo
pelo pânico que o arco-íris institui
no olhar perdido de quem teme
tudo neles treme
enquanto em mim palpita o desejo de estar
onde o brota o sonho e a utopia espreita
Não permitirei que o ódio contamine
a vontade com que declaro amor
a tudo quanto no mundo aclara o pensamento
o pássaro puro na árvore despida
desta luz que diariamente desperta do sono
as manhãs de inverno
o vento a silvar nas noites de verão
espalhando sementes pelos pântanos da primavera
espalhando pela terra flores caídas de outono
que crepitam ao longo da caminhada
Não
Não permitirei que a cada passo
o olhar furtivo das sombras ameace
por cima dos ombros o peso da desigualdade
Porque eu só espero da vida o bem de vivê-la
sem medo
a sós comigo na companhia dos outros
ofertando e colhendo
partilhando e estremecendo
a cada minuto de espanto
no silêncio das águas mergulhado
a respiração boca a boca
da única palavra digna de ser pronunciada
essa mesma que agora calo
por não pretender conspurcá-la
quarta-feira, 31
de Outubro de 2018
1 comentário:
Até a Flávia Lukaxeu escreve melhor do que isto, é o teu amado líder Raimundo a dizer que se lixe a estabilidade e tu a dizeres que se lixe a qualidade poetica
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