domingo, 13 de abril de 2025

AS SUICIDAS

 


(...)
   Como me cansava o esforço de viver!
  Queria, no entanto, misturar-me aos vivos, como se a vida fosse uma doença contagiosa e pudesse assim infectar-me, mas os outros continuavam a deambular pelo quotidiano, percorriam as ruas de olhos fixos no caminho, ninguém me fitava e, se me olhassem, seria como se fosse transparente, diante deles não estaria ninguém. Por vezes, apetecia-me gritar-lhes: eis-me, ainda por aqui ando, os meus passos ecoam, a minha voz suscpetível de ser escutada, assim outras vozes.
   Queria interessar-me pelas coisas e que os outros se interessassem por mim, afinal também era humana. Tentando rir de mim mesmo, começava a contar os pombos que por ali andassem: não se assustavam com coisa alguma, chegava a pensar que já nem saberia voar.
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Filomena Cabral, in As Suicidas, Edições Afrontamento, Dezembro de 2015, p. 25.

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