quinta-feira, 17 de outubro de 2013

AS ABELHAS


Faço uma pausa na leitura dominante e pego, finalmente, na última edição do Atual (n.º 2137, de 12 de Outubro de 2013). Antes de mais, agradam-me as ilustrações de Gonçalo Viana. Escritores em forma de abelha (ou serão borboletas?) com livros no lugar das asas e indumentária tweed. Sempre que imagino um escritor, é naquele estado contemplativo, melancólico, frágil e devaneador. Um deles tem tronco de livro com maçã estampada na capa, de onde sai uma minhoca erecta com inegável simbologia fálica. A mão direita não chega à minhoca, mas chegou claramente ao texto. O exercício provocatório a que se dedicaram os críticos literários do Expresso é engraçado, mas fica aquém das expectativas. Dois autores esquecidos, ou não suficientemente reconhecidos, é pouco para contrapesar tanto lixo semanalmente sobreexposto e promovido nas páginas da imprensa especializada (incluindo, claro está, as do Atual). O busílis é recorrente, chama-se critérios. Como se avalia se um escritor é sub ou sobrevalorizado? Pelas vendas? Pela mediatização? Pela atenção que os críticos lhe conferem? Estamos num campo de determinação da qualidade, suponho. Pelo que, por ora, valer-nos-á a sempre insuspeita palavra dos sábios. Acontece que as dificuldades surgem logo no primeiro deles. Clara Ferreira Alves embirra com Torga e afirma que valter hugo mãe «é um dos exemplos mais cómicos do cabotinismo literário lusitano». Concordar ou discordar é irrelevante, mas torna-se interessante entender o lado oposto da questão. Ao referir-se a autores subvalorizados (não tão lidos, falados, estudados quanto mereceriam), Clara Ferreira Alves cita O’Neill e, para confundir os leitores, os novíssimos. Basicamente, se bem entendi, pretende dizer-nos que a subvalorização dos ditos novíssimos merece ser mais valorizada. E argumenta: «subvalorização é coisa que não existe na “novíssima” literatura portuguesa. São todos sobrevalorizados…» Lá está, quando nos predispomos a concordar assalta-nos logo a dúvida crítica. Mas são todos sobrevalorizados quem? Os que os críticos do Atual e do Ípsilon e da LER (o resto pouco importa) chamam para as suas páginas. É um facto indesmentível, mas se Clara Ferreira Alves e comparsas de serviço começarem a fazer o seu trabalho “como deve ser” talvez o ar na latrina se torne menos irrespirável. Logo de seguida, José Mário Silva atira para o fosso da sobrevalorização Fernando Pessoa ortónimo. Entende-se a intenção e aceita-se o ultraje, mas presume-se uma leitura desajeitada do caso Pessoa. Não faz sentido, creio, separar este dos outros na leitura da Obra. Pessoa vale pela totalidade, é um daqueles casos em que desmembrá-lo seria catastrófico. Basta ler a prosa recentemente coligida de Álvaro de Campos para entender a felicidade daquela bulha interior, que coloca uns a dizer mal dos outros, estes a sobrevalorizarem aquele, que por sua vez subvaloriza aqueloutro, sem deixarem de ser todos um só. Em certo sentido, a obra pessoana reflecte com surpreendente estardalhaço irónico as próprias inquietudes do meio. Uma palavra final para agradecer a Pedro Mexia e a Ana Cristina Leonardo a referência a Teresa Veiga. Julgo nunca ter lido nada da autora nem me recordo de ter lido o que quer que seja sobre a mesma, mas é muito provável que tanto Mexia como Ana Cristina Leonardo tenham recenseado todos os  livros da «mais genial contista da literatura portuguesa contemporânea»* que «não dá entrevistas e não revela a sua verdadeira identidade». Escapou-me. Enfim, por mais atento que se esteja, não se pode ler tudo.
 
P.S.: na realidade, li um conto de Teresa Veiga. Não chega, eu sei, mas parece-me que tanto Mexia como Ana Cristina Leonardo, para não falar desse ícone dos novíssimos poetas portugueses que dá pelo nome de *António Guerreiro, podem estar a incorrer num crime de sobrevalorização.

4 comentários:

Anónimo disse...

Essa frase há de ser lembrada;

Nós não perdoamos
Nós não esquecemos

ESPEREM POR NÓS!!

Anónimo disse...

Ain que meda!

Paty.

Marina Tadeu disse...

Ah, sim o Expresso. Ouvi falar mas não leio, a não ser quando pessoas que respeito me chamam a atenção para uma ou outra peça. No caso do Atual, parece que a credibilidade do crítico é mais sobrevalorizada do que o próprio juízo. João Albuquerque, poeta talentoso com a humildade de não meter a sua própria carroça literária à frente dos bois da corrida, atreveu-se a questionar o exercício escrevendo a um desses “seminais”: “(...) olho para a crítica como um modo de literatura (uma possibilidade de criação literária) e não como mero fiscal”.

Em resposta, o crítico em questão mandou-lhe o CV. Este desespero de apresentar credenciaizinhas de suprema autoridade é comparável à do político, que ganha a vida à custa do suor alheio queixando-se ainda por cima de que à vezes tem mau cheiro. Na cabeça, rolam imagens do Dâmaso e do seu chique. Estamos no século XIX e ainda bem, porque é de longe mais fácil. Como pode ser no entanto tudo uma questão de gosto, a partir do momento em que um adulto já não tem emoções puras? Num país pequeno, estes exercícios tresandam a corrupção pois todos se conhecem. Só que, por mais que opinem, ainda somos leitores e tanto quanto sei, a única maneira possível de ler é deixar-se ir ou fechar o livro.

Marina Tadeu disse...

Queria dizer...

Ah, sim o Expresso. Ouvi falar mas não leio, a não ser quando pessoas que respeito me chamam a atenção para uma ou outra peça. No caso do Atual, parece que a credibilidade do crítico é mais sobrevalorizada do que o próprio juízo. João Albuquerque, poeta talentoso com a humildade de não meter a sua própria carroça literária à frente dos bois da corrida, atreveu-se a questionar o exercício escrevendo a um desses “seminais”: “(...) olho para a crítica como um modo de literatura (uma possibilidade de criação literária) e não como mero fiscal”.

Em resposta, o crítico em questão mandou-lhe o CV. Este desespero de apresentar credenciaizinhas de suprema autoridade é comparável ao do político, que ganha a vida à custa do suor alheio queixando-se ainda por cima de que à vezes tem mau cheiro. Na cabeça, rolam imagens do Dâmaso e do seu chique. Estamos no século XIX e ainda bem, porque é de longe mais fácil. Como pode ser no entanto tudo uma questão de gosto, a partir do momento em que um adulto já não tem emoções puras? Num país pequeno, estes exercícios tresandam a corrupção pois todos se conhecem. Só que, por mais que opinem, ainda somos leitores e tanto quanto sei, a única maneira possível de ler é deixar-se ir ou fechar o livro. Ou no meu caso, o blogue.