sábado, 23 de agosto de 2014

VULCANO


Há tantas casas abandonadas, leitor.
Ângulos secretos,
Escuros,
Difusos, por onde a luz não encontra ninguém.
E sabes, 
Antes de mais,
As casas são organismos que ardem por dentro
Ou somos nós que as julgamos arder na combustão dos corpos;
Na louça disposta em desalinho;
No lume intenso das mãos que bailavam entre cigarros,
Quando a noite descia na Granja e se sentava à nossa mesa.
Era um projecto simples — queimar retratos,
Genealogias
E outras misérias de quem aposta, em terceira fila, no jogo de perder.

Falhámos e
Talvez por isso, a casa grande da Granja
Arda por diferentes razões
Por motivos que o fogo não entende, não justifica.
Mas denuncia.

Rui Pedro Gonçalves (n. 1973), in Noites na Granja (2006). «Poemas de menor extensão intercalam outros de maior número de versos, demonstrando uma cuidadosa atenção construtiva e uma perspicaz medida dos cambiantes em que autor e possível leitor têm de gerir um acordo.Todos eles, todavia, trazem história: familiar, de espaço vivido, de tempo dilatado no seu decorrer, de emoções calidamente afloradas. Os espaços interiores das casas, o desenlace do corpo onde tudo principia e finda, o lugar humano das histórias de que nasce a sua (...) A delicadeza que atravessa a força imaginística e a pulsão vital que anima estes versos devem obrigar-nos a estar muito atentos» (Joaquim Manuel Magalhães, Expresso, 4 Março 2006).

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