segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

FERREIRA GULLAR (1930-2016)


José de Ribamar Ferreira nasceu a 10 de Setembro de 1930, na cidade de São Luís, Maranhão. De origens humildes, estudou numa escola técnica até aos 17 anos de idade. Do autodidactismo fez uma arma ao serviço da inteligência. Nasceu Ferreira Gullar, o pseudónimo literário. Publicou em 1949, com socorro materno, o seu primeiro livro de poemas: Um pouco acima do chão. Tinha 18 anos. Apesar de posteriormente renegado, esse livro foi o princípio de uma aventura que teria continuidade no Rio de Janeiro após promissora vitória no Concurso Nacional de Poesia promovido por um importante jornal carioca. 
Vários empregos na área jornalística foram dando para pagar as contas. A luta corporal, o segundo livro, surgiu em 1954 «prenunciando o movimento de vanguarda intitulado concretismo». Mas os interesses de José de Ribamar não podiam confinar-se a um movimento. Dedicou a década de 1960 da sua vida à prática de uma poesia engajada politicamente, acabando preso, clandestino, exilado. Viveu dois anos em Moscovo, andou pelo Chile, Peru e Argentina. 
Escreveu em Buenos Aires aquele que viria a ser o mais aclamado dos seus livros: Poema sujo (1975). Conta Antonio Carlos Secchin: «O impacto do livro foi de tal natureza que levou um de nossos maiores críticos, Otto Maria Carpeaux, a declarar que a obra deveria chamar-se “Poema Nacional, porque encarna todas as experiências, vitórias, derrotas e esperanças do homem brasileiro"». 
Mas Gullar não escreveu apenas poesia. No conjunto da sua obra encontramos também peças de teatro, contos, memórias, crónicas, ficção infantil, ensaio. Em Uma Luz do Chão (1978) escreveu assim: 

«Quando digo que minha poesia se confunde com minha vida digo o que qualquer outro poeta diria de sua própria poesia. Faço-o, no entanto, aqui, para sublinhar o fato de que, em minha experiência, o trabalho poético sempre esteve comprometido com indagações que o antecedem e transcendem. Fazer o poema sempre foi, para mim, a tentativa de responder às indagações e perplexidades que a vida coloca. Não quis, ou não pude, buscar nele o píncaro serenamente erguido acima do drama humano. Antes, quis fazer dele a expressão desse drama, o ponto de ignição onde, se for possível, alguma luz esplenderá: uma luz da terra, uma luz do chão — nossa»

Um poema:

VIDA,

     a minha, a tua,
eu poderia dizê-la em duas
ou três palavras ou mesmo
numa
     corpo
sem falar das amplas
horas iluminadas,
das exceções, das depressões
das missões,
dos canteiros destroçados feito a boca
que disse a esperança
     fogo
sem adjectivar a pele
que rodeia a carne
os últimos verões que vivemos
a camisa de hidrogênio
com que a morte copula
(ou a ti, março, rasgado
no esqueleto dos santos)

Poderia escrever na pedra
meu nome
     gullar
mas eu não sou uma data nem
uma trave no quadrante solar
Eu escrevo
     facho
nos lábios da poeira
     lepra
     vertigem
     cona
qualquer palavra que disfarça
e mostra o corpo esmerilado do tempo
     câncer
     vento
     laranjal


Ferreira Gullar, in O Vil Metal (1954-1960), in Poesia Completa, Teatro e Prosa – Volume único, prefácio, organização e estabelecimento de texto (com assistência do autor) de Antonio Carlos Secchin, Editora Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 2008.

1 comentário:

MJLF disse...

E escreveu muito sobre arte contemporânea, foi o mentor do grupo dos neoconcretos do Rio de Janeiro entre 1959-196O, que realizaram a sua primeira exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1959. Na mesma altura publicaram um manifesto assinado pelo poeta Theon Spanúdis, o escritor Reynaldo Jardim, os artistas Franz Weissmann, Amílcar Castro, Lygia Clark e Lygia Pape. Posteriormente participaram nas exposições neoconcretas os artistas Hélio Oiticica, Aluísio Carvão, Claúdio Melo e Sousa, Décio Vieira, Hércules Barsotti, e os poetas Carlos Fernando Fortes de Almeida, Roberto Pontual e Osmar Dillon. Os neoconcretos opuseram-se ao objectivismo mecanicista da pintura concreta, e sobretudo, à aproximação entre a ciência e a arte desta corrente, considerando que fatalmente resultou no predomínio da ciência. Este aspecto estive presente no programa estético do grupo concretistas de São Paulo, aos quais os neoconcretos contrapuseram a expressão individual, devido a transportar uma significação que transcendia o nível perceptivo. A última exposição colectiva do grupo foi no Museu de Arte Moderna de São Paulo em 1961 e nesse ano Lygia Pape e o escritor Reynaldo Jardim realizaram ainda um ballet neoconcreto.Na poesia, os neoconcretos defenderam o poema como ser temporal, onde as palavras desdobravam a sua natureza significativa, encarando a página como espacialidade do tempo verbal, mas sem voltar à poesia discursiva. Criticaram a poesia concreta ortodoxa do grupo de São Paulo Noigrandes (Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari), que encarava as palavras como meros sinais ópticos, e desenvolvem as palavras à sua condição de verbo, extrapolando os limites da linguagem verbal com a interpelação das artes plásticas, materializando poemas em objectos espaciais, que criavam novas relações com o leitor. Nas artes visuais, os neoconcretos consideraram que o concretismo se transformou num jogo rudimentar de formas geométricas, por isso romperam com o conceito tradicional de quadro e moldura. Este aspecto esteve presente sobretudo nas obras de Lygia Clarke e Hélio Oiticica, que passaram a trabalhar a linguagem não-figurativa no espaço real. Na escultura, a convenção da base foi posta em causa nas obras de Franz Weissmann. Os neoconcretos questionaram o rígido programa estético do concretismo através da introdução de componentes sensoriais na arte geométrica.
Saúde bjs para toda tribo