segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

JOSEF SUDEK, THE WINDOW OF MY STUDIO [SERIES], 1940-1954


A janela do estúdio está aberta. Por um instante,
aqueles dois mundos desviam-se do reflexo
que um é do outro e conectam-se. Definem-se,
dissolvendo-se. Não há interior e exterior.
Um plano onde a chuva escorre e outro onde
o ar é condensação. Não há o homem e um duplo
que se contempla, essa árvore de torso retorcido,
defeituoso, que o tempo, só por milagre, cura
quando floresce a Primavera.

As vidraças nada separam, nada aproximam.
Dois mundos, as estações que se sucedem,
o dia e a noite afectados pela luz interior e exterior,
o que é inteiramente abstracto à superfície
e delicadamente lírico, emotivo, quase espiritual,
no olhar que se prolonga.

Por tudo isto, são pormenores o muro e as casas
para além do jardim ou a composição de natureza
morta no parapeito de madeira. O que importa
é a janela do estúdio, que está aberta, e como
a indeterminação, esse movimento que o
mundo respira, ali se revela.



Sandra Costa (n. 1971), in Untitled. A estreia em 2002, com Sob a Luz do Mar (Campo das Letras), revelou uma voz transparente, contida, depurada. Untitled (volta d’mar, Dezembro de 2017) persegue os caminhos da luz, desta feita em diálogo com fotografias a preto e branco de autores diversos (Elliott Erwitt, André Kertész, Vivian Maier, Dorothea Lange…) A écfrase processa-se a partir de uma complexa ralação de olhares, o do autor da fotografia e o da poeta que a contempla. O poema surge desta relação como uma imagem no decorrer do processo de revelação, da indefinição nublada e sombria das formas até à sua absoluta definição. O título do primeiro livro já havia assumido a relevância da luz nesta poesia, agora novamente sublinhada por uma noção do poema enquanto reflexo. Mantendo-se a natureza no lugar da paisagem preferencial, ela surge enquadrada por uma contemplação afectada pelo silêncio e pela solidão. Os jogos de luz permitem-nos ainda vislumbrar em alguns versos um tom nostálgico que resiste à melancolia, inclinando-se mais para uma noção de espera onde podemos adivinhar certa forma de fé na beleza: «Nesse instante, compreendes: o único caminho / possível até à madrugada insubmissa / também se faz de esperas, // ou de um detalhe que nos salva» (p. 18). Também por isto, podemos dizer que esta é uma poesia que aparece em contramão com as tendências dominantes do seu tempo.

6 comentários:

Sandra Costa disse...

Obrigada pelas palavras dedicadas a este pequeno livro, Henrique Fialho.

hmbf disse...

O leitor é que agradece.

maria disse...

"persegue os caminhos da luz" :)

Gosto, claro!

hmbf disse...

Maria, este livrinho é muito bonito. E dá vontade de googlar os nomes dos fotógrafos referidos e das fotografias convocadas.

Sandra Costa disse...

Caro Henrique, enviei-lhe email a propósito do googlar os nomes dos fotógrafos e das respectivas fotografias.

hmbf disse...

Muito obrigado, Sandra.