SEM EXÍLIO, QUEM SOU?
Estranho na margem do rio,
como ao rio... ata-me ao teu nome a água.
Nada me faz regressar desta distância
do oásis: nem a guerra nem a paz.
Nada me concede entrada nos evangelhos.
Nada. Nada brilha da maré
que sobe e desce entre o Tigre e o Nilo.
Nada me faz descer das bigas do faraó.
Nada me tem ou me faz ter uma ideia:
nem a nostalgia nem a promessa.
Que farei? Que farei sem exílio,
sem uma longa noite que perscrute a água?
Ata-me ao teu nome a água.
Nada me afasta das borboletas do sonho.
Nada me dá realidade: nem o pó nem o fogo.
Que farei sem as rosas de Samarcanda?
Que farei numa praça que pule os rapsodos
com pedras lunares?
Ambos nos tornámos tão leves
como as nossas casas à mercê dos ventos longínquos.
Ambos travámos amizade com os estranhos seres que habitam nas nuvens.
Ambos fomos libertados do peso da terra da identidade.
Que faremos?
Que faremos sem exílio,
sem uma longa noite que perscrute a água?
Ata-me ao teu nome a água.
Nada resta de mim excepto tu.
Nada resta de ti excepto eu —
um estranho que acaricia a coxa da sua estranha.
Oh, estranha! Que faremos com o que resta
da quietude e do breve sono entre dois mitos?
Nada nos tem: nem o caminho nem a casa.
Foi este caminho assim desde o princípio,
ou terão os nossos sonhos encontrado numa encosta
um cavalo mongol que trocaram por nós?
Que faremos?
Que faremos sem exílio?
Mahmoud Darwich, in Poemas, versões de Manuel Alberto Vieira, Flâneur, Novembro de 2022, pp. 45-46.
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