quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

DA BREVIDADE DA VIDA

 
     Fogem as neves frias
Dos altos montes quando reverdecem
   As árvores sombrias;
     As verdes ervas crecem,
E o prado ameno de mil cores tecem.
 
     Zéfiro brando espira;
Suas setas Amor afia agora;
     Progne triste suspira
     E Filomela chora;
O Céu da fresca terra se namora.
 
     Já a linda Citereia
Vem, do coro das ninfas rodeada;
     A branca Pasiteia,
     Despida e delicada,
Com as duas irmãs acompanhada.
 
     Enquanto as oficinas
Dos Ciclopas Vulcano está queimando,
     Vão colhendo boninas
     As ninfas e cantando,
A terra co ligeiro pé tocando.
 
     Desce do áspero monte
Diana, já cansada da espessura,
     Buscando a clara fonte,
     Onde, por sorte dura,
Perdeu Actéon a natural figura.
 
     Assi se vai passando
A verde Primavera e o seco Estio;
     O Outono vem entrando;
     E logo o Inverno frio,
Que também passará por certo fio.
 
     Ir-se-á embranquecendo
Com a frígida neve o seco monte;
     E Júpiter, chovendo,
     Turbará a clara fonte;
Temerá o marinheiro a Orionte.
 
     Porque, enfim, tudo passa;
Não sabe o tempo ter firmeza em nada;
     E nossa vida escassa
     Foge tão apressada,
Que quando se começa é acabada.
 
     Que se fez dos Troianos
Heitor temido, Eneias piedoso?
     Consumiram-te os anos,
     Ó Creso tão famoso,
Sem te valer teu ouro precioso.
 
     Todo o contentamento
Crias que estava em ter tesouro ufano?
     Oh! falso pensamento,
     Que, à custa de teu dano,
Do sábio Sólon creste o desengano.
 
     O bem que aqui se alcança,
Não dura por possante, nem por forte;
     Que a bem-aventurança
     Durável de outra sorte,
Se há-de alcançar na vida pera a morte.
 
     Porque, enfim, nada basta
Contra o terrível fim da noute eterna;
     Nem pode a deusa casta
     Tornar à luz superna
Hipólito da escura sombra averna.
 
     Nem Teseu esforçado,
Ou com manha, ou com força valerosa
     Livrar pode o ousado
     Pirítoo da espantosa
Prisão leteia, escura e tenebrosa.
 
Luís de Camões (1524? – 1580?)

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