As intrigas da corte, as invejas dos príncipes estrangeiros que cercam a regente [Ana], o descontentamento permanente da aristocracia e a cobiça de outros estrangeiros da intimidade de Isabel Petrovna, filha de Catarina I, dão a esta princesa ocasião de fazer vingar um golpe de Estado. Seguiram-se as brutalidades e perseguições clássicas, tendo apenas escapado a elas um dignitário escocês, que à pergunta feita ao seu lealismo respondeu: «estou com quem estiver no poder». A nova soberana deixou que todos os perseguidos sofressem o terror da pena de morte, já decretada, transformando-a depois em degredo perpétuo. Isabel mandou demonstrar os seus direitos como herdeira de Pedro Grande, ao trono da Rússia, não se esquecendo todavia do filho de Ana Leopoldovna [irmã da Imperatriz Ana], o pequeno Ivan.
Foi esta sombra, que a encheu de terror, a causa principal da sua bárbara perseguição a toda a família Lopukhine. Uma mulher desta família causava também engulhos de inveja feminina à espectaculosa imperatriz. Um dia que ela apareceu com uma rosa nos cabelos como a imperatriz — esta obriga-a a ajoelhar em público, corta a rosa com os cabelos que a seguravam e esbofeteia a elegante Lopukhine. Mais tarde envolveu os parentes desta em suspeitas de conjura, e estes, depois de convenientemente torturados, foram condenados ao esquartejamento e língua cortada. A Lopukhine teve a língua cortada, que o carrasco mostrou-a à multidão cruel e sôfrega. Esta venceu o suplício e pôde ainda acompanhar o seu marido, barbaramente chicoteado, para o degredo na Sibéria. Isabel, passando dum amante para outro, ostentava uma corte luxuosa no meio do jogo, das danças e das mascaradas, que lhe serviam para o exibicionismo de uma plástica de que era extremamente ciosa. O seu reinado é de luxo e elegância, e a aristocracia planetária deste astro ostenta o mesmo luxo. Tudo isto é, no entanto, falso e exterior: qualquer coisa que lembra uma decadência do fim, embora não seja mais que uma mascarada de civilização. Memórias da época contam-nos episódios que parecem da Roma de Juvenal. Uma Galitzine diz a um amigo que a visita: «Como gosto de vos ver! Chove, é impossível sair, meu marido não está, aborreço-me de morte. Nem sabia o que havia de fazer: ia agora, para me distrair, mandar chicotear os meus criados.»
O luxo das classes aristocráticas custava muito dinheiro, e isto levava os funcionários à mais escandalosa venalidade e à venda ou hipoteca dos servos. No entanto, algumas guerras felizes foram feitas no tempo de Isabel. Venceu a Suécia; entrou a Rússia na Guerra dos Sete Anos e derrotou a Alemanha, chegando a Berlim a despeito de claras e evidentes traições dos generais e do próprio grão-duque, que Isabel destinava ao trono da Rússia. Isabel, de acordo com Frederico II da Prússia, resolveu casar o grão-duque herdeiro com a princesa Sofia Frederica Anhalt. A despeito da oposição de alguns dos seus homens de confiança e até, por causa do próximo parentesco dos cônjuges, do esforço da Igreja, o casamento realizou-se, porque, como dizia Frederico II, não se tinha poupado o dinheiro. Pedro, o herdeiro, era fisicamente disforme e moralmente degenerado. Sua esposa Sofia, a futura grande Catarina, encontrou-o um dia a julgar um rato, que tinha deitado a terra as sentinelas duma fortaleza de cartão com que Pedro se divertia. Julgou-o e condenou-o à forca, executando ele mesmo a sentença. Um tal Saltikow, confidente de PEdro, parece ter tido interesse pessoal, dadas as suas prováveis relações com a futura Catarina, em resolver o problema da pretendida impossibilidade genética do grão-duque. Com efeito ele mandou aconselhar à imperatriz Isabel uma operação, que tornaria o grão-duque um homem apto a poder arranjar sucessão. Este mandou um dia de presente à imperatriz a prova das suas possibilidades e do retardado cumprimento dos seus deveres conjugais.
Leonardo Coimbra, in A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre (1935). Pedro, o Grande, Catarina Primeira e Pedro II, Ana.
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