Paulo I sobe ao trono, depois de ter encontrado o documento comprovativo das suas suspeitas sobre o assassinato de seu pai. Lê a carta de Alexis Orlof para sua mãe, a grande Catarina. Acabada a leitura diz: as poucas dúvidas que tinha — Deus seja louvado! — desaparecem com esta estúpida carta. E o seu temperamento sombrio e doloroso leva-o a uma atitude hamlética. Faz colocar o cadáver da mãe junto com o do pai, e, neste cortejo, serão exactamente os assassinos de Pedro III que vão conduzir as insígnias da soberania imperial. Depois faz inscrever no mármore tumular este dístico: — Desunidos na vida, unidos na morte. É o pretendido complexo Édipo funcionando de uma maneira que, diga-se de passagem, seria o bastante a mostrar o artifício da concepção freudiana.
O coroamento de Paulo foi um acto de requintada e significativa pompa. Vestido como os césares de Bizâncio, toma com as suas próprias mãos a coroa imperial. Promulga a lei sálica, regulando de vez a sucessão em termos que — vingança de filho — afastam as mulheres do governo imperial. Toma para si o título de «Chefe da Igreja», fazendo de direito o que já existia de facto, obrigando assim o clero a rezar por ele e dando-se o direito de tomar o cálice do altar e comungar por suas mãos. Não quer guerras exteriores e começa por desmobilizar; mas o seu quixotismo fá-lo defensor dos tronos ameaçados e, assim, tem uma guerra com a França, vencendo as tropas de Napoleão na Áustria, mas sendo vencido por Massena na Suiça, tendo obrigado este o grande Suvorof a uma retirada difícil e castigada. Esta guerra, em aliança com a Inglaterra, não deu a Paulo I mais que desilusões, pois que os ingleses não quiseram entregar Malta aos cavaleiros de S. João de Jerusalém, Ordem de que ele era protector. Isto leva-o a aproximar-se de Napoleão e tentar uma invasão da Índia para castigar e amarfanhar o orgulho da Inglaterra. Nesta aventura sacrifica de tal modo os cossacos do Dom que os historiadores perguntam se não é legítimo dizer-se que o teria feito para acabar com as suas inquietantes pretensões. No entanto, se os servos russos reclamam junto de si contra as prepotências dos proprietários, manda-os castigar pela brutalidade armada. Substituiu os «colégios» por ministérios, fundou novas universidades e reorganizou as antigas. Pouco tempo depois nomeava uma comissão encarregada de pôr de acordo a fé, a ciência e a autoridade do Estado. Claro está que, se não há acordo e ele se faz por conta do Estado, só este gozará de independência, ficando a fé e a ciência simples auxiliares da autoridade. Tendo ao seus erviço durante algum tempo um liberal de escola francesa, Speransky, achou que este ia longe de mais e enviou-o para o exílio.
O fim do seu reinado é um verdadeiro flagelo para os Russos, acabando pelo trágico assassinato do czar. Ordens e contra-ordens, prisões, pranto, pauladas, polícia da vida particular de cada um: tudo caprichoso, versátil e impudente. Um dia manda bater à paulada um oficial encarregado do abastecimento da cozinha porque a comida estava desagradável. Este é bastonado na presença do imperador, que escolhe ele mesmo o melhor e mais forte instrumento de tortura. Desconfiado de todos, encontra um dia, no quarto de seu filho Alexandre, entre outros livros, a tragédia da morte de César. Vai ao quarto, abre a biografia de Pedro Grande no lugar em que se fala da morte do Czarvitch Aléxis e manda um dignitário levar o livro, assim aberto nessa página, a seu filho. Isto leva a corte a uma conspiração em que entra o próprio Alexandre. A conspiração pretendia levar apenas o imperador até à abdicação. Descoberta, só se salva pelo sangue-frio de Palhen, que responde ao imperador, que o acusa, estar ele mesmo na conspiração para a denunciar. Paulo acredita e manda prender os conspiradores. Palhen responde que já o teria feito se não estivessem na cabeça da lista os nomes da imperatriz sua esposa e dos seus dois filhos. Paulo assina a ordem de prisão para eles, dando a Palhen o direito de escolher a oportunidade. É com este novo elemento que Palhen acelera o golpe, que, tem de ser já uma necessidade de defesa pessoal de todos os comprometidos. O golpe dá-se, e Paulo é assassinado, depois de tentar esconder-se por trás dum móvel e ser tirado pelos pés que ficaram à vista.
Leonardo Coimbra, in A Rússia de Hoje e o Homem
de Sempre (1935). Pedro, o Grande, Catarina Primeira e Pedro II, Ana, Ivã VI & Isabel, Pedro III e Catarina II.
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