O governo cede mais, mas os revolucionários maximalizam as suas exigências, aparecendo em viva actividade um judeu de Odessa, que a história há-de conhecer com o pseudónimo de Trotsky. O soviete dos delegados dos operários ordena a greve geral, que é executada numa paralisia de todos os membros do imenso corpo do império. O czar cede mais, assistindo impassível à desordem e à guerra dos bandos — o bando dito reaccionário e o bando revolucionário, ambos igualmente revolucionários. Promete-se a Duma, pede-se mais e mais — é então que o próprio governo organiza as «centúrias negras», espalhando maior desordem, crueldade e insensatez. Witte tenta dar mais ainda, mas os sociais-democratas julgam boa a ocasião para experiências duma autêntica revolta em Moscovo. Ela faz-se, com efeito, e só é julgada pelas forças fiéis de Sampetersburgo. Witte, à sombra do czar, quer agora fuzilar todo o mundo e destacamentos punitivos fuzilam e prendem os rebeldes da província, que tinham refeito as rasinadas e pugatchevadas. A primeira Duma recusa-se e é dissolvida. A segunda Duma recebe directrizes de um homem capaz, Stolypine, mas recalcitra e é também dissolvida. Depois uma terceira cede o seu lugar à quarta Duma domesticada, que será encerrada por Lenine.
Stolypine, que organizara uma distribuição de terras capaz de salvar a Rússia se a tempo tivesse vindo, é assassinado por um elemento anfíbio — policia e revolucionário. Eis as consequências da guerra russo-japonesa. Perdido o Extremo Oriente, volta-se a atenção para o próximo Oriente e o czar — ofendendo a memória de Dostoiewsky e a seriedade religiosa — põe-se ao lado do sultão da Turquia, quando a Inglaterra quer exigir deste reformas, que garantam os súbditos da Porta. Mais tarde tenta-se uma partilha da hegemonia entre a Rússia e a Áustria. Uma inabilidade desta leva a Rússia para um acordo com a Inglaterra. Assim se acaba o bloco das nações aliadas contra os impérios centrais.
E eis a Grande Guerra, precisamente quando se reacendem as actividades revolucionárias na Rússia. Essa guerra foi para a Rússia imperial a catástrofe do fim. Heroísmo de sobressalto, quedas de desalento, quase traições ou traições, intrigas de comando, nobrezas soberanas e canalhices vis, todo o caos de altitudes e baixezas da Rússia se viu nessa guerra. A sua capacidade de resistência material e moral cede e é, com o auxílio das víboras rasputinianas, a desordem e a revolução. Uma Duma dissolvida, aceitando a dissolução de direito e não de facto, um governo provisório heteróclito, hesitações pendulares com um desvio crescente para a esquerda, e, em Kerensky, o verbalismo, o sonho, o esforço indisciplinado: eis o poder.
O soviete dos soldados e operários toma e disciplina o caudal da violência. O prikase n.º 1, levando a lepra moral às tropas, as promessas da partilha das terras, incendiando a pilhagem, o assassinato e a destruição, e um Lenine, tenso de vontade-força, amoral e naturalista, espreitando... Negociações com uma Alemanha, regressada do calafrio de uma derrota julgada impossível, negociações para a passagem de Lenine... Chegada deste, progresso da desordem, propaganda contra a guerra, ordem de captura, fuga de Lenine, sua hesitação querendo entregar-se e a que obsta a manha flexível e a vontade-força maciça de Estaline... A família imperial presa, visita de Kerensky, dando liberdade galante aos seus complexos de ressentimento e de pretensiosa fatuidade... Cómico verbalista, exaustão do querer em palavras, fuga de Kerensly e o czar Lenine triunfante... Comédia e tragédia. Kerensky escoando-se pela fronteira, acabando em reticências a pompa do seu verbo emudecido. Tragédia em Leninegrado, começando a ordem dos bolcheviques — porventura a única ordem possível naquela Rússia. Tragédia na prisão, quando Kerensky separa os dois esposos; tragicomédia quando os oficiais, que um dia prestam um serviço ao czarvitch, são obrigados pelo soviete do regimento à farda de lacaios como castigo da sua conduta servil. Tragédia em Ekaterinburg, na casa Ipatief, onde toda a família é assassinada a tiro e à baioneta, depois de mandada descer para o andar de baixo. O czar desce com o filho nos braços, e segue-se toda a família e os criados. Recebem ordem para tomar lugar nas cadeiras e à voz dum, que diz: — «Nicolau Romanof, terminou a vossa vida» — começa a chacina. A tiro e à arma branca são assassinados todos, podendo ver-se ainda depois os dedos de angústia duma princesa esculpidos em sangue na parede que fora o eu último amparo.
Os corpos são despedaçados, regados com ácido sulfúrico, queimados, deitadas as cinzas no poço duma floresta. Na casa da infame chacina ficou escrito: — «Baltasar foi nessa mesma noite assassinado pelos seus escravos-» Junto do poço ficaram as cascas dos ovos roubados à família imperial e que mutiladores dos cadáveres comeram tranquilamente depois da obra feita. Assim acabou o último Romanof — o mais desgraçado de todos os russos dos eu tempo, — Nicolau II, Imperador de todas as Rússias...
Leonardo Coimbra, in A Rússia de Hoje e o Homem
de Sempre (1935). Pedro, o Grande, Catarina Primeira e Pedro II, Ana, Ivã VI & Isabel, Pedro III e Catarina II, Paulo I, Alexandre I, Nicolau I, Alexandre II, Alexandre III, Nicolau II.
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