sexta-feira, 27 de maio de 2022

ALEXANDRE I

 


   Alexandre, que esperava inquieto o desfecho da tentativa, por ele suposta de simples violência exigindo a abdicação, é informado do trágico fim de seu pai. Ao tomar conhecimento da morte do pai, lamenta-se, mas Palhen diz-lhe: — Basta de criancices; ide reinar... — e leva-o à frente da guarda. Alexandre diria então com voz serena e forte: — «Meu pai morreu com uma apoplexia. Tudo será no meu reinado como foi no de minha avó muito amada.» A tropa aclama-o e é assim que Alexandre I toma o império de todas as Rússias. A alegria rompe em manifestações, a que Alexandre se não opõe. Este acautela-se, no entanto, diante de todas as solicitações de constitucionalismo. Hesita entre o liberalismo das suas leituras e o autocratismo da tradição. Ajuda a libertação dos servos das províncias bálticas, dizendo à nobreza da Livónia que ela deve sentir que só os princípios liberais podem fazer a felicidade dos povos. Entrou em campanha contra Napoleão; mas batido em Austerlitz, Eylau e Friedland, lançou as culpas sobre as costas da Áustria e da Prússia, que abandonou aproximando-se de Napoleão para a partilha do mundo. De novo rompe com Napoleão, e é, com efeito, o seu mais terrível e vitorioso inimigo.
   Uma crise de vaga religiosidade leva-o a considerar-se o instrumento de Deus para salvação da Europa. Iniciado e frequentador das lojas maçónicas, circula destas para grupos de religiosidade nevoenta onde a consulta da Bíblia ao acaso o faz ler, como uma ordem, o seu destino de salvador do mundo. Cai em cenáculos protestantes, faz-se propagandista de uma religiosidade vaga, de directas comunicações com o divino, funda a Sociedade bíblica e obriga altos dignitários da Igreja ortodoxa à assistência às reuniões desta Sociedade. É nesta névoa, dum misticismo amorfo e indisciplinado, sem fundo nem relaidade, psicológico e não ontológico, que Alexandre I tem a ideia da Santa Aliança. Esta aliança é um contrato feito entre os soberanos «representantes da Providência» para defesa do cristianismo em face da solidariedade revolucionária dos povos. É um mandado de despejo aos legítimos órgãos da fraternidade cristã, e é ainda um sonho do humanismo iluminado das lojas maçónicas. Esta política falha, no entanto, pela oposição astuciosa e positiva dos políticos ocidentais. Volta-se então para o Oriente para libertar os cristãos ortodoxos do jugo da Turquia, mas ainda a Europa prática e positiva o impede de realizar o seu sonho. Tenta reformas interiores, chegando a um projecto de carta constitucional, mas arrepende-se logo, diante dos primeiros estorvos, e, diante das revoltas da Itália e do assassinato dum seu agente, acaba de vez com o flirt liberalista.
   Em Agosto de 1822 fecha as lojas maçónicas e todas as sociedades secretas, aperta a censura do livro e do jornal, proíbe a impressão e a leitura do Novo Testamento. Chama para junto de si o general Araktchéef, que estabelece o regime das colónias militares, mandando regimentos para as aldeias para neles se incorporarem os habitantes, assim mobilizados para o trabalho. O seu espírito oscila de confissão em confissão, sem nunca atingir uma altura de verdadeira religiosidade. É um nómada da alma, um tipo de vagabundo russo, um «staretz», que não encontra repouso. Depois da morte duma filha natural, maior é o seu desequilíbrio e acaba numa fuga... (epiléptica?) para Taganrog com a imperatriz, e submerge-se na Lenda. Alexandre I morreu em Taganrog? Quer a lenda que morresse santo, muito mais tarde, nos confins da Sibéria e com o nome de Fédor Kuzmitch. Lenda que tentou Tolstoi, e Merejkovsky, etc., que tem o seu interesse. O czar teria assistido à morte pelas vergas dum soldado, que era o seu sósia e teria mandado roubar o cadáver para, alguns dias depois do imperador se apagar na névoa da distância, representar o seu próprio cadáver. 

Leonardo Coimbra, in A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre (1935). Pedro, o GrandeCatarina Primeira e Pedro IIAnaIvã VI & IsabelPedro III e Catarina II, Paulo I.

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