terça-feira, 31 de maio de 2022

NICOLAU I

 


   Com a morte de Alexandre I, sobe ao trono, pela desistência de Constantino, seu irmão Nicolau. É inaugurado o seu governo pela revolta oblomovista dos Dezembristas. Os oficiais vindos das guerras napoleónicas trouxeram para a Rússia exigências de reformas contra a venalidade dos funcionários, a espionagem da vida particular, a opressão da censura, os rigores da disciplina militar, etc. Fundaram-se sociedades. «A União do Bem Público» tinha como programa o fim da servidão, a igualdade do cidadão perante a lei, a abolição do monopólio da aguardente, redução do tempo de serviço militar, que era para os soldados de vinte e cinco anos. Uma nova organização dividiu esta sociedade nos ramos do Norte e do Sul. No Norte fez-se um projecto de constituição monárquica, no Sul um projecto republicano. A demora inábil de Nicolau em tomar o poder, aceitando como boa a resignação de Constantino, implicou um juramento duplo, pois que, quando Nicolau se resolveu, já tinha sido feito o juramento de Constantino. Isto deu ocasião à revolta. Um regimento da guarda veio para a praça do Senado, a este juntaram-se outros e os soldados gritaram vivas a Constantino e à Constituição. O general-comandante da guarda foi ferido e morto por esta. Um dia inteiro (oblomovismo) esperaram uns e outros sem combater. Até que o governo fez atacar os revoltosos pelo fogo da sua artilharia. Esta chegou sem munições (oblomovismo), retirando para as ir buscar; os revoltosos assistiram a tudo num delírio de verbalismo e num insensato entusiasmo de gestos ineficazes. O oblomovismo dos revoltosos foi mais demorado que o das tropas de Nicolau, daí a sua derrota. Seguiu-se o castigo e a vingança. O próprio imperador fez interrogatórios a nobres vindos até ele cobertos de ferro.
   Segundo Merejkovsky, o imperador chegou a levar alguns, como o poeta Ryléief, com lágrimas de fraternidade russa e de piedade humana, à confissão total. Houve cento e vinte e um acusados, sendo treze coronéis. Entre os condenados à forca figuravam o coronel Pestel e o poeta Ryléief , cujo enforcamento foi simplesmente macabro. Tendo partido a corda, que os suspendia à beira de um barranco, caíram de uma enorme altura, ficando esfarrapados. Foram recolocados na forca e assim se enforcaram dois mutilados e moribundos: uma quase mutilação de cadáveres, como se verá mais tarde nas lutas bolcheviques. Depois disto, Nicolau reformou a polícia, tornando mais apertada ainda a opressão e a vigilância e fechou as portas da Rússia para a passagem dos Russos à Europa ou dos Ocidentais à Rússia. Melhorou a condição dos servos sem querer aliás ouvir falar na sua emancipação. Reformou as escolas e universidades, militarizando-as; favoreceu a agricultura e o comércio; mandou fazer estradas e criou as primeiras linhas-férreas. Uma insurreição da Polónia foi afogada em sangue, sendo degredados alguns milhares de famílias polacas. Perseguiu os católicos e quis obrigar todos os crentes à conversão à ortodoxia russa. Os princípios próprios da Rússia a opor à subversão ocidental são proclamados por um dos dignitários do czar. São eles:  ortodoxia, a autocracia e a nacionalidade. É aqui, em 1848, que a polícia descobre leitores de obras ocidentais, em reuniões familiares. 
   Numa dessas reuniões foram presas trinta e três pessoas; uma delas era Dostoiewsky. Medidas terríveis se seguiram: comissões especiais selaram livros e licrarias, apreenderam as publicações nas fronteiras; o ministério da Instrução passou para um militar e os programas foram expurgados de tudo que não fosse civil e religiosamente ortodoxo, etc. Os presos da sociedade Pètrachevsky foram julgados, e vinte e um condenados à morte; entre estes, contava-se como é sabido, o genial Dostoiewsky. A 22 de Dezembro foram conduzidos a uma praça onde estava o cadafalso. Despiram-nos, para vestirem a camisa dos condenados, por um frio de muitos grau negativos. Dostoiewsky pergunta a um companheiro — será possível que sejamos executados? Este responde apontando-lhe uma carreta, onde, cobertos, se anunciavam os caixões. Um padre com um crucifico veio animá-los e solicitar-lhes a confissão. Um confessou-se e os outros beijaram a cruz. Depois foram acorrentados aos postes e esperaram a morte durante o tempo marcado pelo sadismo mórbido do czar. Passada a angústia desta espera, mais terrível que a agonia da morte — meditada a morte, como poucos o teriam feito — veio a clemência (? !) do soberano, comutando os castigos em degredo para a Sibéria. Dostoiewsky viu a face da Morte, e sempre os seus olhos de horror ficaram a palpitar e a viver em toda a sua obra. Grigoriev tinha enlouquecido; e a ponta de loucura de Dostoiewsky não será um efeito do gelo das asas que o tocaram?
   Em política exterior pôde Nicolau vencer duas vezes a Turquia e conquistou duas províncias à Pérsia. A segunda vitória sobre a Turquia deu a libertação da Grécia, a posse de Anapa e o protectorado sobre a Moldávia, Valáquia e Sérvia. Sempre a preocupação de Bizâncio-Constantinopla levava Nicolau I a querer vencer inteiramente o homem doente — seja a Turquia. Consegue, com efeito, algumas vantagens, jogando na bolsa dos interesses franceses e ingleses; mas, por último, teve de assinar a convenção de 1841, colocando a Turquia sob a garantia das grandes potências. Depois de 1848 tem Nicolau I o prestígio, que ele se arroga, de chefe de todos os amigos da ordem e aparece aos soberanos como um possível salvador. Tem mesmo imprensa europeia de propaganda das suas capacidades de chefe da defesa da ordem na Europa. É assim que ajuda Francisco José da Áustria, e impede que o rei da Prússia ajude a causa da Alemanha. Tenta de novo acabar com o «homem doente», querendo entender-se com a Inglaterra sem o conseguir. Nicolau I quer que a Turquia lhe reconheça o direito de protectorado sobre todos os vassalos cristãos do império turco. Em 1853, manda um ultimatum; as tropas russas entram em combate, e a esquadra turca é desfeita pela esquadra do czar do mar Negro.
   A França e a Inglaterra levam as suas esquadras ao mar Negro e mandam forças de terra, que cercam Sebastopol e vencem as forças russas. Nicolau vê, a meio deste desastre, desfeito mais um sonho da sua imperiosa veleidade de conquistador. Toma a cicuta e desaparece na grande sombra da morte, deixando o trono ao czar libertador, Alexandre II. 

Leonardo Coimbra, in A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre (1935). Pedro, o GrandeCatarina Primeira e Pedro IIAnaIvã VI & IsabelPedro III e Catarina IIPaulo I, Alexandre I. 

2 comentários:

jpt disse...

Excelente, hmbf, excelente

hmbf disse...

Próximos episódios para breve.