quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

UMA LIÇÃO DE AMOR

Por falar em comboios: Uma lição de Amor (1954), de Ingmar Bergman. Neste filme o comboio aparece como o espaço privilegiado para o início de uma reconciliação conjugal. David encarna o homem infiel, arrependido, por saturação da amante ou por nostalgia familiar, da aventura com uma das suas pacientes. Ginecologista de profissão, David tentará reconquistar a sua mulher, Marianne, no comboio onde esta se apronta para partir rumo aos braços do grotesco artista Carl-Adam. O lado cómico deste romance está patente do início ao fim do filme, com algumas situações caricatas. Uma delas, durante a viagem de comboio: David aposta com um dos passageiros em como este não é capaz de conquistar a senhora que com eles partilhava o camarote; desconhece o passageiro que essa senhora era Marianne, a mulher de David; perdida a aposta, com o passageiro a desculpar-se pela sua impertinente ousadia, David volta à carga, desta feita apostando em como seria ele a conseguir beijar Marianne antes de terminada a viagem. Dito e feito. Mas aquele beijo, gesto lúdico já desmascarado junto de Marianne, se pronuncia o retomar duma relação não a efectiva. Durante a viagem, David e Marianne recordam o dia em que se conheceram, algumas cenas familiares, os filhos, etc. Tudo muito ligeiro, sóbrio e aburguesado. Contudo, qualquer intento mordaz se esconde no interior daqueles cenários. Bergman brinca com o conceito de família, com a emancipação da mulher, com a rodilha dos costumes a que é hábito dar o nome de sexualidade. E se este não é por muitos consagrado como um dos melhores filmes do autor de Mónica e o Desejo, dificilmente não lhe será reconhecido o mérito da lição a que se presta. No final, o amor vence. Poderia outra coisa vencer? Após algumas tropelias, David e Marianne voltam a ficar juntos num quarto de hotel previamente preparado. A facadinha no matrimónio passa à história como acto que se justifica por si mesmo. Tendo havido pecado, não deixou de haver confissão. Tendo havido confissão, outra coisa não se podia esperar que não fosse o perdão. A história (das nossas vidas) é toda ela assim: um comboio que vai seguindo num sentido inconclusivo, onde o passado se rememora com o intuito de sopesar o futuro. Não é para rir, nem para chorar. É apenas para viver.

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