domingo, 16 de agosto de 2009

ÉRAMOS COBARDES PORQUE QUERÍAMOS VIVER


Ontem vendi um livro de Charles Bukowski. Foi quase como se estivesse sentado ao balcão com Henry Chinaski, brindando à vida sem grande coisa para brindar. 89 anos sempre são 89 anos. Bukowski nasceu na Alemanha a 16 de Agosto de 1920 e faleceu em Los Angeles no dia 9 de Março de 1994, tinha 74 violenta e porcamente bem vividos anos de vida. Aportou nos states com três anos de idade, e foi ficando pela cidade dos anjos iniciando-se na pancadaria, na bebedeira, na foda, nas máquinas de escrever. «Quanto menos acreditássemos na vida, menos tínhamos a perder» (A Sul de Nenhum Norte, p. 53). Discípulo informal de John Fante, tinha no rosto a deformação que atingiu o mestre nas pernas. Cá por mim, há sempre uma certa dor a alimentar estes modos físicos de escrever, esta violência verbal que resulta, ao mesmo tempo, numa espécie de vingança e hino contra e à vida. Antes de se dedicar inteiramente à escrita, o nosso herói foi carteiro, camionista, etc. Um escritor camionista em Portugal seria, no mínimo, motivo de gozo. Por cá é tudo doutor e engenheiro, filho, primo, afilhado de. Publicou a primeira estória em 1944, tinha 24 anos. A poesia aconteceu-lhe em livro mais tarde, por volta dos 35. Publicou em vida mais de 45 livros, entre os quais o romance Mulheres (1978) e a colectânea de contos A Sul de Nenhum Norte (1973) estão traduzidos para português e editados, respectivamente, pela Dom Quixote (1992) e Relógio D’Água (1997). Bukowski está hoje traduzido em mais de 12 línguas, a sua prosa violenta e obscena tornou-se motivo de culto em todo o mundo. Por trás dessa prosa, uma vida nada prosaica: muito jogo, muito álcool, a choldra, as mulheres, a solidão. «A pior coisa para um escritor é conhecer outro escritor, e pior que isso, conhecer muitos escritores. São como moscas em cima da merda» (Mulheres, p. 55). Quiseram rotulá-lo de beat, mas ele nunca quis nada com Buda e só foi nómada naquele modo estático de não conseguir deixar de estar à deriva sem sair do mesmo lugar. Estava mais interessado nas mulheres, nas canções de Randy Newman e nas corridas de cavalos do que no Papa Burroughs. Basicamente, nunca quis nada com nada, nunca quis agarrar-se a qualquer coisa para esperar pela morte. Talvez o álcool: «Se acontece algo de mau, bebe-se para esquecer; se acontece algo de bom, bebe-se para celebrar, e se nada acontece, bebe-se para que aconteça qualquer coisa» (Mulheres, p. 172). E as mulheres… Viveu vários anos e ter-se-á mesmo casado com Janet Cooney Baker, dez anos mais velha e dez vezes mais bêbeda. Jane faleceu em 1962. Casou-se com Barbara Frye, editora da revista Harlequin. O casamento durou dois anos. Viveu uns tempos com Frances Smith, de quem teve uma filha. E em 1985 casou com Linda Lee Beighle, 25 anos mais nova, já ao volante de um BMW, a viver numa casa com piscina e a escrever para um computador. Um selvagem, dirão; um louco, dirão; poeta menor, dirão… Há-de haver sempre quem prefira fazer da passagem pela terra um mero dizer. «Podem perguntar a quem quiserem: eu não sou pessoa muito simpática, nem sequer conheço a palavra. Sempre admirei o mau da fita, o fora-da-lei, o filho da puta. Não gosto daquele tipo de gajos que andam sempre de barba bem feita e têm gravata e um bom emprego. Gosto de homens desesperados, homens de dentes estragados, de alma estragada e de modos estragados. São gajos que me interessam. Despertam-me interesse. São gajos cheios de surpresas e de explosões. Também gosto de mulheres ruins, dessas putas bêbadas e sempre a praguejar, que andam com as meias torcidas e a maquilhagem borrada. Interessam-me mais os perversos do que os santos. Com os vagabundos sinto-me eu à vontade, pois sou também um vagabundo, não gosto de leis, de morais, de religiões e de regras. Não gosto de me deixar moldar pela sociedade» (A Sul de Nenhum Norte, p. 209).

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