A vida que olha através dos meus olhos
E freme em palavras através da minha boca,
E me impele como ao resto dos homens,
Esquiva-se, e fico atónito.
E então
Meu peito insondável começa
A despertar, e ao longo de ténues
Ondas sob a carne, desencadeia-se
Um ritmo brusco, e o mudo ventre sonolento
Acorda de súbito.
O meu doce ventre no sono
Vibra e desperta numa vontade,
Enquanto por bem ou mal
Um baixo eu se levanta e me saúda;
Homúnculo que se anima desde a raiz
E, erguido, bate em mim.
Levanta-se, e eu tremo diante dele.
─ Quem és tu? ─
Ele é mudo, mas ardente e longo,
E não o desdenho.
─ Quem és tu? Que intentas
Fazer de mim, tu, brilhante, iconoclasta? ─
Como é belo! silencioso,
Sem olhos, sem mãos;
Mas a chama de barro vivo
Ergue-se, a coluna de fogo na noite.
E, vindo das profundezas, ele sabe; por si próprio,
Ele sabe.
Por si próprio, sozinho,
Compreende e sabe.
Brilhante, confiante, misterioso,
Surgiu do nada.
Tremo à sua sombra, enquanto ele arde
Para atingir o alvo sombrio.
Ergue-se como um farol, a noite ferve
À volta do seu fundamento, a luz sombria roda
Dentro da sombra, e sombriamente regressa.
Lança um apelo, o solitário? O fundo
Do silêncio ressoa com o apelo?
Move-se invisivelmente? A sua abrupta
Curva procura a curva de uma mulher?
Viajante, coluna de fogo,
Tudo é vão.
O calor do teu túmido desejo
Transforma-se em dor.
Vermelho, sombrio pilar, perdoa-me.
Estou agrilhoado
Ao rochedo da virgindade.
Não ouço a tua voz estranha.
Clamamos no deserto. Perdoa
Que desenvoltamente me tenha estendido
No vale feminino, e tenha dançado
A tua dupla dança.
Obscura, orgulhosa, curva beleza!
Gostaria de abandonar-me ao movimento das ancas.
Mas numa só voz as hordas humanas recusam
O meu desejo.
Arrancaram as portas aos gonzos,
Atulharam o caminho. Saúdo-te
Apenas para arrancar-te a flor. A tua torre
Enfrenta o nada. Perdoa.
Poema mudado para português por Herberto Helder.
Filho de uma professora primária com inclinações poéticas e de um mineiro deprimido que afogava as mágoas em álcool, nasceu D. H. Lawrence a 11 de Setembro de 1885 na localidade mineira de Eastwood, Inglaterra. Privações e discussões familiares serão o estigma da infância. A sua formação foi sustentada à custa de bolsas de estudo. Primeiro, na Nottingham High School. Depois, na University College Nottingham. Entre a “escola” e o “colégio”, várias ocupações. Era o que hoje classificaríamos de trabalhador estudante. Portador de fracos pulmões, impunha-se resolver os problemas respiratórios. A poesia e a viagem serão terapias permanentes. Publicou os primeiros poemas na English Review, era então editor Ford Madax Ford. Em 1910, Lawrence ajudou a mãe a ver-se livre de um cancro ao administrar-lhe uma overdose de comprimidos para dormir. No mesmo ano, desfez uma relação que mantinha com uma tal de Jessie Chambers, responsável pela partilha de um gosto comum: os livros. Publica o primeiro de vários romances, The White Peacock, apanhando assim o comboio da alta literatura. Diz-se que sexualmente pendia para o lado masculino, mas conhece-se-lhe ainda uma outra relação, com Louie Burrows, anterior à paixão de uma vida: Frieda von Richthofen. Frieda era casada com o professor Ernest Weekly. Abandonou o marido, os três filhos e fugiu com o poeta no barco do amor. Andaram pela Alemanha, Suíça, França, Itália, antes de se casarem em 1914. Por esta altura, o casal manteve uma estimulante relação com Katherine Mansfield e John Middleton, editores da revista Rhythm, e testemunhas no casamento dos Lawrence. Resumindo: Katherine sentia-se atraída por D. H. Lawrence, Lawrence sentia-se atraído por John, John sentia-se atraído por Frieda. Os dois casais viveram muito proximamente durante alguns anos, mas a Primeira Grande Guerra impôs outras preocupações. Frieda e Lawrence são acusados de espionagem e impedidos de emigrar para os states. Deixam a Inglaterra em 1922, partindo para a Nova Zelândia, Austrália, Sri Lanka, e regressando posteriormente aos EUA. Lawrence decide então mudar-se para o México, onde pretendia fundar uma utópica comunidade de intelectuais. Adquiriu uma propriedade perto de Taos, em 1924, e aí permaneceu durante dois anos. Aldous Huxley foi visita assídua. Mas o verme da errância continuava a corroer o pulmão do poeta. Regressa à Europa em 1926. Lady Chatterly's Lover é publicado em 1928. O Reino Unido e a América censuram o romance por o considerarem pornográfico. Os últimos anos foram passados em exclusiva dedicação à literatura… e à viagem. D. H. Lawrence veio a morrer, vítima de tuberculose, no dia 2 de Março de 1930, em Vence, no sul de França. Tinha 44 anos.
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