sexta-feira, 2 de outubro de 2009

CONTADOR DE BEIJOS

Vou-te contar, estava ali nuzinho na minha solidão quando fui abalroado pelo boi da impaciência. A Ana inventou uns pãezinhos indianos com muita pimenta, puxaram o Defesa de 2008 para dentro do enigma, e eu meti um revolver à cabeça enquanto olhava, num carro estacionado, o chulo da Trabalhia a lembrar-me que amanhã pego às nove. Mas antes, toma lá esta: estou no Chat Noir em 1857. Charles Cros, o inventor do fonógrafo e, consequentemente, do surrealismo, tem 15 anos e bebe absinto pela garrafa. Numa mesma mesa estão igualmente sentados Baudelaire e Rimbaud de mão dada com Verlaine. Ouço-os inventar histórias fantásticas passadas em reinos imaginários. Charles diz: «E eu inventei esta história ─ banal, banal, banal, / Para enfurecer as pessoas ─ graves, graves, graves, / E divertir as criancinhas ─ pequenas, pequenas, pequenas». A pessoa grave era um tal de Orèlie Antonie, Procurador da Justiça, que aceitou dos poetas o título de rei da Região da Araucanía, no Chile. Orèlie levou a oferenda de tal forma a sério que embarcou para o Chile munido de uma bandeira, de uma Constituição e de muita vontade de governar indígenas. Conseguiu um encontro com os índios e prometeu-lhes protecção dos brancos, acabando por proclamar o reino de Araucanía a 17 de Novembro de 1860. Recambiado para França com a loucura por diagnóstico, pôs-se a vender títulos nobiliários e terrenos. Regressou à América do Sul algumas vezes, acabando por ser novamente notícia pelas razões mais caricatas: foi objecto do primeiro implante de ânus artificial na América do Sul. Não posso averiguar da veracidade desta história, que encontrei há tempos nos subúrbios da Internet. Serve a mesma para exemplificar que pelo ânus pode morrer a fé e para evocar Charles Cros, nascido a 1 de Outubro de 1842, inventor de fonógrafos, de reinados e de um contador de beijos.

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