sexta-feira, 12 de março de 2010

LE TEMPS QU'IL RESTE



Último eco do FantasPorto 2010: The Time That Remains, de Elia Suleiman. A história de uma família de palestinianos desde a fundação de Israel até à actualidade. Suleiman diz que se inspirou nos diários deixados pelo pai, malogrado combatente da resistência árabe, e nas cartas que a mãe escrevia para familiares forçados a abandonar a região depois de os judeus terem tomado o poder por aquelas bandas. O retrato de Suleiman é de um humor com inclinações negras que tem dois méritos: arrancar sorrisos irónicos à assistência e provocar aqueles que eventualmente possam esperar uma encenação trágica dos acontecimentos históricos. Tal como já acontecia em Divine Intervention (2002), o enfoque é colocado na dimensão absurda das variadíssimas situações. Numa cena, Suleiman chega a saltar à vara o muro que separa Israel da Palestina. Sempre de ombros descaídos e com um rosto desapaixonado, a lembrar a ausência de sorriso que ficou para a história como uma das principais marcas de Buster Keaton, o realizador/actor aparece nos momentos finais do filme para representar um reencontro com as origens. A pergunta que paira no ar é: onde estou? O sentimento de deslocação é evidente, as personagens parecem perdidas, não como corpos à deriva, mas antes como elementos desagregados do espaço agora estranho onde detêm as suas raízes. Desenraizamento e desorientação são, quiçá, as razões que explicam os comportamentos abismados e pasmados, quase sem reacção, daqueles que se vêem impossibilitados de regressar aos lugares de onde partiram. Há em cada uma das cenas um esforço coreográfico que faz deste filme uma espécie de musical sem banda sonora, à qual não será alheia a técnica mímica. Para territórios devastados, os cenários são paradoxalmente límpidos, quase impolutos. E é admirável a forma como os diálogos são filmados, nomeadamente no contexto familiar, não sendo necessárias muitas palavras para afirmar o que os movimentos de câmara, os diferentes planos, os esgares, já asseguram por si. Entre cenas de maior ou menor intensidade dramática, uma personagem sintetiza melhor que todas as outras a natureza tragicómica do argumento: um velho palestiniano que não aguenta viver sob o jugo israelita, embebeda-se sucessivamente e tenta suicidar-se regando o corpo com querosene; vai sendo salvo por um vizinho, o pai de Elia, que no dia seguinte escuta ao velho novas e extravagantes estratégias para derrubar o inimigo invasor. Todas elas incluem um mesmo elemento: beber muito álcool. Há lá melhor forma de combater os inimigos?

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